
Enquanto me dava balas (ou chicletes de hortelã) para que eu não enjoasse, minha mãe ia me mostrando as pedras, as árvores, todas as coisas de Ponte Nova a BH. Acordar muito cedo pra viajar me causava enjoo que aumentava com o cheiro de eucalipto do banheiro gelado de Cachoeira do Campo. “Não olha pra fora”. Era para ver, não encarar. Ao fixar meus olhos no passar pela janela lateral, vomitava dentro do carro. “Põe pra fora, aqui… no saquinho, pronto, seu Téia, por favor, encosta ali.” Aliviada, bochechando com água, eu respirava fundo e expirava, já achando graça da fumaça que saía da minha boca. O ar daquela estrada era gelaaado!
Frio ficava o motorista a quem não agradavam as paradas no acostamento. Ele nem fazia questão de abrir a cara. Dona Laene, entretanto, rapidinho, quebrava aquele gelo, incluindo-o na conversa, oferecendo uma empadinha…
Eu amava empadas dormidas na geladeira; o ápice do lanche, contudo, era o Diamante Negro que eu juro não tem nunca mais o mesmo gosto. Apesar da matula, parávamos sempre no Posto Pedrosa em Cachoeira do Campo: o café pra minha mãe era sagrado (“Quer café, muié?” Ela ria quando eu lhe perguntava já no final da vida) e eu gostava de tomar café com açúcar e leite quente no copo.
Por mais que estivesse animada, logo após o posto de Cachoeira, eu adormecia segurando no colo Madeiras do Oriente (um perfume pra quem não sabe). “Acorda, minha filha, olha que lindeza”: Os ipês amarelos – e acesos – de Itabirito!

1996: tinha uma festa de aniversário na casa do Roberto artista. Não o conhecia. Alguém me levou. A BR-040 duplicava a velocidade. Não havia medo da noite, de nada. Chegar ao condomínio Águas Claras em Brumadinho foi um encantamento.
Primeiro, ao engatar a primeira na íngreme subida pensei quase ferver o motor do carro, lá em cima no mirante o desfiladeiro cheio de parapentes: que visual raro! Quando o carro desembolou por um declive serpenteado até à portaria do nobre Condomínio Retiro do Chalé, temi que não fosse parar. Seguiu descendo por uma estradinha estreita ladeada de árvores até uma espécie de trevo. Para a esquerda o Rancho do Peixe pra quem não tinha pressa de almoçar, à direita, a pousada das Brumas e o Bar do Caixote. Reto, a portaria do condomínio cuja rua principal subia e subia.
Festa animada com gente interessante. Roberto, bacana. E uma vista para a cadeia de montanhas… Encantação. “Compra um lote, aproveita, há um inclinado na rua de baixo, mas o ipê compensa.”
Desço a pé e uau! O terreno? Sim, pirambeira. Quanto mede? Sei não. No alto, um baita de um Tabebuia Alba me esperando para um abraço. Muito lindo e poderoso e iluminado.
Enlouqueci de amor.
“- À vista faço um desconto.” Não tenho o dinheiro nem sinal, nada para dar de entrada.
Peraí, tenho sim, o carro.
“- Você vai ficar a pé?”
“- Vou e com um ipê amarelo!”
Assim troquei a camionete por uma árvore nativa do cerrado num desbarrancado.
Caminhava até o trabalho, pegava o “lotação”, caronava, feliz da vida.
No ano seguinte, me angustiei por desconhecer que o ipê perde todas as folhas antes de florir. “Morreu”. O caseiro, Adão, curtia com a minha cara. “Às vezes ele não flore todo ano, vai ver que não tem flor essa vez”, o cara continuava a me zoar. De aflição, reguei mais do que devia, na esperança, adubei, afofei a terra…
Só foi arrebentar de flor-luz no outro ano, porque os ipês são rústicos, precisam de seca pra dar flor. Mais de uma pessoa me explicou (e eu li) que eles só florescem no estresse. Não me agradava a ideia de exaurirem. De uns tempos pra cá olho por outro prisma, como sabedoria da Natureza. Bem que a gente podia ser assim.
Já pensou, nesses tempos de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e ansiedades à flor da pele, esbarrarmos com corpos floridos, mentes desabrochando, seres de luz por aí?