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Ilustradora de nossa região presente na Bienal do Livro RJ 2025

Na Bienal do Livro, haverá lançamento da obra “Uma vida bordada em palavras”, ilustrada por Luísa Viveiros, artista radicada em Ponte Nova.
InícioCULTURA'Dri: suave, serena e alegre' em Laene ComVida

‘Dri: suave, serena e alegre’ em Laene ComVida

“Ô gente, na volta vai ter bacalhoada!” Alguns dias antes da infusão das células tronco em BH, a encontrei em Viçosa nos trinques: vestido longo esvoaçante, colar comprido, rasteirinha bonita, linda e leve, magrela na passarela. A perda de cabelos a transformou em madame chique circulando de chapéu por aí.

“- Oi lindeza, como está hoje?”
 
“- Mais linda!” Nossas conversas via WhatsApp confirmam a pessoa pra cima em que Dri se transformou: suave, serena e alegre. Sim, teve descontrole, descompasso, desassossego. E também um coração armado de amor, com direito a ciúmes, cismas e novenas: “Cê boba! Santo Antônio tá sobrecarregado. Eu vou é pedir pra São José, o santo da família!”
 
Insistente, persistente e, às vezes, inconveniente, Adriana conseguia o que queria: os amores para as primitas, a vaga na escola para a filha e, mais do que o mundo, o colo materno:
 
“Lalazita, minha mãe está cuidando de mim, estou a-do-ran-do!” Nunca a tinha visto tão contente e orgulhosa: “Mãe me esperou pra despedir de pai.” Um orgulho de raiz, de pertencimento.
 
 
Adriana de Castro Mafra (Dri) fazia questão de ser-estar na família: visitava primas e tias, acompanhava-lhes no baralho, no bar, no hospital… palpitava nos tratamentos, nas rezas… Cuidava, do seu jeito, de familiares, amigas e estranhos.
 
“Deixa eu te falar, Jesus não é surdo, pode rezar baixo… Dei guarita, mas agora está abusando!” Isso foi quando ela pôs pra dentro de casa a mulher de fora que acompanhava a mãe na enfermaria do Hospital Gavazza. Da varanda do seu apê acompanhava o movimento do bairro. Brigou com vizinhos pelo silêncio e pela limpeza. Tornou-se amiga eterna da vizinha de porta.
 
“Acooorda, vocês estão doentes, só pode!” Gritava lá fora, gargalhando em um tempo em que nos víamos todos os dias. “Me leva ali? Vamos à Estação do Chope. Chegou pomada de vovô Pedro…”
 
Em Adriana, a fé transbordava: numerologia, patuás, terços coloridos, novenas, velas, terreiros e centros… Frequentou ritos e reuniões, entoou pontos e recebeu passes. Estudou a doutrina espírita e nela encontrou a paz. Na prática espiritual e no amor: “Este é o Meeeu Nêgo, encontrei em Ouro Preto!”
 
Sábado calorento: Sérgio e Adriana chegam para o churrasco e não se demoram. Não bebem. Têm compromissos com a espiritualidade. Enquanto ele detalha a situação, trocam olhares: paciência, ternura e cumplicidade. Mudam-se para Ponte Nova, vem a pandemia… Somem. Habitual de recém-casados, algum projeto mirabolante, voltaram para Ouro Preto?
 
07/04/2021: “- Luísa, como vc está? E sua mãe, queria tanto falar com ela.”
 
“- Assim que der te ligamos.”
 
05/07/2021: “- (…) Eu tinha que deixar ela te contar. Vai dar tudo certo sim.”
 
A calma recente e a alegria de sempre de Adriana embaçaram nossa inteligência. A doença raríssima exigia um tratamento delicadérrimo. Sem meio termo. Não enxergamos a gravidade.
 
27/02/2022: “- Quero fazer um texto sobre você. Posso?” O áudio responde em um minuto:
“Pode, mas me dá pra eu ler primeiro, hem?! Elogia muuuito, rá rá rá rá! Minha modéstia é enorme. Tô rindo aqui com Nêgo e mãe, sou pura inspiração.” No mesmo dia à noite, leio:
 
“Minha amiga, por favor, não faça o texto para o jornal. Te amo pra chuchu.” Frustro-me com a mensagem e adiamos o encontro.
 
01/03/2022: “- Ô, Lalá, estou indo pra Belo Horizonte, tenho um procedimento hospitalar amanhã, depois outro na sexta-feira. Devo ficar lá uns 12 dias, deixa quando eu chegar…”
 
“- Combinado, aguardo sua volta…” Nas trocas de mensagens-áudios-textos, sentia uma quentura de perceber minha amiga-irmã de infância madura, tranquila. Sua voz embargada não de choro, mas sim de sorriso, foi prenúncio e vontade de até logo: “Vamos aguardar as próximas luas.”
 
17/03/2022: “- Oi Dri, como você está?”
 
“- Tudo bem, viu a lua?” Insisto para escrever seu perfil, ela aceita, mas sem publicar:  “A idade… kkk… fiquei sistemática.” Até parece, Dri sempre teve seu sistema. Fazia a gente rolar de rir com suas tiradas engraçadas, seu jeito sério de cara lambida. Na volta de um show em Viçosa, domingo de estrada vazia, sem carona, com fome e com os sapatos novos em puro barro, ela repetia: “Eu não sou mulher de ficar na estrada esperando!” Todavia, pelas grandes coisas ela esperava. Rezava, acreditava, se preparava e aguardava por todos os finais felizes que mereceu.
 
Eu esperei, esperamos Adriana retornar. Porém a única certeza “ad aeternum” da vida é inesperada e surpreendente. Esperar jamais! Nós nos desesperamos pela morte.
 
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