Na final da manhã desta quarta-feira (4/3), concluía-se demolição do casarão da av. Dr. José Mariano, nº 62, no bairro Palmeiras. O imóvel estava interditado por conta de pendência judicial sobre processo de tombamento histórico e requerimento de demolição.
Durante o serviço, o diretor do Departamento Municipal de Trânsito/Demutran, Lucas Maciel Aguiar, interditou parcialmente o trânsito na avenida, com agentes do Demutran orientando o fluxo dos veículos.
Acompanharam os trabalhos, além de Lucas, o dirigente da Secretaria Municipal de Obras/Semob, Luís Borges, e o diretor-geral do Dmaes, Anderson Sodré.
Decisão judicial
O juiz-substituto da 1ª Vara Cível, Bruno Henrique Tenório Taveira, autorizou o serviço após reunião, no fim da tarde de 3/3, com um dos proprietários, Lívio Sena de Azevedo (o qual custeou a demolição), e seu advogado Hélio Fernandes Pinto, além de representantes da Prefeitura/Defesa Civil. Considerou-se o iminente risco de desabamento total, afetando casas vizinhas e a avenida.
Influenciaram a decisão do juiz os termos do boletim da ocorrência registrando vistoria de militares do Corpo de Bombeiros no trecho afetado pelo desabamento ocorrido na manhã de 3/3. Constataram-se “muitas trincas e fissuras nas paredes que permaneceram, oferecendo alto risco de colapso”.
Igual avaliação constou de relato da Semob. De posse destes documentos, Hélio Fernandes requereu em caráter urgente audiência com o magistrado. Afinal, o Juizado havia deferido liminar em ação cível de nov/2012 contra a demolição.
Notícia de 2017
O casarão foi notícia de capa da edição de 3/2/2017 desta FOLHA pelo risco de desabamento e pela tramitação da citada ação – requerida pelo Ministério Público – contra os proprietários (o outro é Evaristo Borsoi) e o Município, cobrando preservação do imóvel. De sua parte, os donos planejavam demolir para erguer complexo imobiliário.
Naquela época, o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e Natural/CMPCN de Ponte Nova confirmou que o casarão fora inventariado para efeito de tombamento.
O imóvel, erguido por um dos pioneiros do bairro Palmeiras – o português Antônio Augusto dos Anjos -, já foi adquirido pelos atuais donos “em situação de ruína e com o seu andar térreo descaracterizado com adaptação para funcionamento de lojas”, como alegou a defesa de Lívio e Evaristo.
A Justiça, todavia, acatou o pedido do MP e incluiu a Prefeitura como ré na ação por “omissão que deixou o casarão em péssimo estado de conservação”.
Nesta quarta (4/3), o advogado Hélio informou a esta FOLHA que os proprietários requereram conciliação (marcada pela 1ª Vara para este 7/4), considerando o acordo de 20/11/2019 com o CMPCN, o qual resultou na elaboração de projeto de restauração do casarão com sua estrutura arquitetônica original e construção nova nos fundos.
Nota de protesto
Ao tomar conhecimento da notícia do desabamento, Luiz Gustavo Santos Cota, ex-presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e Natural, declarou: “Infelizmente as pessoas costumam lembrar do patrimônio material quando ele cai. Não deixa de haver certa coerência com a fragilidade, incipiência ou inexistência de políticas culturais perenes, em todo lugar, especialmente nesta conjuntura.”
Ele salientou que, desde antes de 2012, o Conselho denunciou “o proposital processo de arruinamento do casarão, bem como o projeto de demolição. De 2013 a 2016, como membro e presidente do Conselho, participei de tentativas infrutíferas de diálogo com os proprietários. Tentou-se oferecer apoio técnico aos proprietários para se assegurar a sobrevivência do imóvel, além da adoção de medidas de segurança, pensando-se no avanço constante do arruinamento e no risco inerente para a população”.
Continuou Luiz Gustavo: “Este não é o único problema existente em Ponte Nova, relacionado ao patrimônio cultural, cuja existência só é notada, muitas vezes, no desabamento daquilo que é visível. Outras demandas foram enfrentadas ao longo do tempo, motivando diálogo com empreendedores da construção civil, cartórios, proprietários, Ministério Público e educadores. Há, porém, a insistente sanha de se verticalizar o espaço (e a vida) em nome do progresso. E tal sanha não ameaça apenas o patrimônio visível, mas também o imaterial, que, via de regra, muita gente nunca notou.”
No entender dele, “as políticas de proteção avançaram, foram aprimoradas em termos legais, mas sofrem com a descontinuidade, com o desconhecimento, com o desdém. Todos os passos dados parecem de fato pouco diante do monumental desafio imposto por uma realidade constantemente demolidora de tudo que se põe à frente de sua acanhada noção de progresso.”