O calor de 34º registrado na tarde de 5/11 não desanimou os cerca de 350 moradores de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado no protesto alusivo aos 4 anos do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, em 5/11/2015.
Às 15h20, houve toque de sirene em Rio Doce e Novo Soberbo/Santa Cruz do Escalvado, ocorrendo caminhadas simultâneas até o extinto quiosque de Candonga (entre os dois municípios). Devido ao tempo quente, o deslocamento da maioria dos manifestantes ocorreu em carros e ônibus (estes cedidos pelas Prefeituras).
Na organização, juntaram-se ao Centro de Formação Rosa Fortini as Comissões de Atingidos de Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce e Ponte Nova/Chopotó, com o tema “Resistência Que Inspira Luta”.
Informava o texto divulgado durante o ato: “Os danos acumulados e a mudança no modo de vida de quem dependia dos rios não permitem que este desastre seja esquecido.”
Afixaram-se 19 cruzes em círculo com os nomes dos que morreram nos rejeitos da barragem da mineradora Samarco. Ao centro, um caixão com o nome do rio Doce, cuja bacia foi duramente afetada.
A Associação Música e Arte/AMA animou o protesto, que ocupou meia pista da MGC-120, sob escolta de dez PMs (sob comando do tenente Ramos) de Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova. A Polícia Rodoviária Estadual/PRE atuou no apoio.
Discurso
Antônio Carlos Silva, de Santa Cruz do Escalvado, falou por 25min e divulgou ações em defesa dos afetados pela lama. Segundo ele, a Fundação Renova não cumpre com suas obrigações.
Ele citou Termo de Ajustamento de Conduta/TAC prevendo destinação, para o pessoal de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, de 70% dos postos de trabalho nos projetos de reparo dos danos.
“Mas não é isso que estamos vendo por aqui. Em nossas cidades muita coisa mudou, e convivemos com pessoas de fora”, disse ele, defendendo apoio para resgate da economia das duas cidades através do turismo.
Ronaldo Adriano de Sousa (Rone), de Rio Doce, desejou que sejam cada vez mais crescentes “a força e a união neste momento tão delicado”.
Mais depoimentos
Esta FOLHA ouviu Geraldo Mateus Cândido, 55 anos, morador de Jacatiá/Rio Doce. Na época do desastre, ele era lavrador em Santana do Deserto, nesse município.
“O dinheiro da roça era pouco, e no final de cada dia a gente ia pescar. Era a carne que a gente tinha para comer. Nunca vendi peixes”, conta ele, mostrando fotos de peixes naturais do rio Doce.
Desde o desastre, nunca mais Geraldo pescou. “Os peixes estão contaminados. Dá tristeza ir aos locais onde a gente pescava e ver tudo entupido de lama. De tanta tristeza, cheguei até a tomar remédio para dormir”, admite ele.
Geraldo disse que recebe R$ 1, 2 mil/mês da Renova e investe tudo na nova casa que constrói em lote comprado com os R$ 33 mil que recebeu de indenização.
José Solto Lima Filho (José Lana), 63, do Sítio Córrego Jerônimo/Santa Cruz do Escalvado, contou à nossa Reportagem que desde os 14 anos de idade ele transportava em carro de boi areia retirada do rio: “Com 18 anos, comecei a puxar areia em caminhões e ainda tirava do rio pedra e cascalho.”
Com a chegada de balsas para extração de ouro, ele as transportava em seus veículos. Desde o rompimento da barragem, seus 5 caminhões de báscula estão na garagem.
“Hoje não é possível extrair nada do rio por causa dos rejeitos”, conta José Lana, salientando que a sua profissão ficou inviável: “Se quiser conseguir areia, preciso rodar quase 200km.”
José Lana diz que a Renova indenizou os donos de areais, mas não os transportadores, como é o caso dele: “Nunca me procuraram. A gente fez cadastro e põe um punhado de trem no papel, mas – resolver que é bom – nada!”
José Lana afirma que faturava cerca de R$ 15 mil líquidos/mês, "mas hoje não tenho nenhum centavo e tenho as despesas, financiamento dos veículos. Só quem atrasa uma parcela de boleto sabe o aperto no mês seguinte".
A Fundação Renova informou, por e-mail de 5/11, que mantém em seu site balanço geral de todas as medida tomadas para mitigar os danos socioambientais na região e no Estado.
Veja em nosso site os vídeos da manifestação e apresentação da Associação Música e Arte/AMA.