Érica Juventino Pires Rozeno, 31 anos, diz estar sentindo-se péssima e impotente, por não ter conseguido salvar os filhos da enchente na região da Usina Jatiboca, em Urucânia. “Fico revoltada de estar aqui, e eles não”, disse ela em entrevista ao Portal Folhapress.
A forte chuva dessa segunda-feira (4/12) arrastou a casa e levou a filha de Érica, Maria Fernanda Juventino Pires Rozeno, 13, a qual foi encontrada morta no dia seguinte. O outro filho de Érica, Vinícius, 7, e sua mãe, Eva de Jesus, 67, ainda são procurados pelas equipes do Corpo de Bombeiros.
A jovem Érica disse que se agarrou a uma árvore, balançou galhos para chamar atenção e foi resgatada pelos bombeiros. Enterrou a filha inchada e com "o rostinho todo machucado: o que mais me dói é escutar a voz dela dizendo: 'Mãe, eu não quero morrer porque eu ainda não aproveitei nada'". A menina foi arrastada pelas águas das chuvas na frente da mãe.
O pai das crianças, Ronaldo Rozeno, 41, havia saído às 5h para trabalhar na Usina Jatiboca. Por volta das 7h, percebendo que o córrego que passa a poucos metros de sua casa se enchia, resolveu voltar com um colega de trabalho. Não encontrou mais nada. “Entrei em desespero e desmaiei”, conta Ronaldo. Por volta das 10h, ainda gritava pelos filhos, quando uma vizinha indicou que havia alguém em cima da árvore. "Minha família acabou em minutos", desabafou Ronaldo. "Estava trovejando forte, e eu falei pra minha menina deitar na minha cama, pois eu gostava que meus meninos ficassem juntos comigo quando trovejava”, diz Érica.
Ao ouvir um barulho e abrir a porta, ela se deu conta do volume de água e da correnteza que se aproximava. "Como eu vou tirar minha família daqui?", pensou. "Já não havia mais tempo. A parede da cozinha se rompeu, e a água chegou na cintura. Vinícius agarrou-se a um dos cachorros e disse que ia ficar tudo bem", contou Érica, que ficou em pé na janela para pedir ajuda. Trombas d'água vinham também das encostas, formando um grande rio.
Quando a parede do quarto arrebentou, foi lançada para fora e não viu mais ninguém: “Fui afogando e engolindo muita água. Pensei que, se fosse pra viver sem meus filhos, podia morrer, que não tinha problema.” Érica se agarrou a uma cama, subiu numa árvore, caiu de costas, mas subiu em outra, de onde viu uma vaca boiando.
Da casa simples, em Parada Paulista, um pouco afastada dos demais vizinhos, sobrou só o assoalho. O casal não voltou para ver restos de móveis e roupas espalhados pela lama. Dois dos quatro cachorros da família não saem dali.
Buscas
Além dos bombeiros, Deuseli do Carmo, 38, professora de Maria Fernanda, e Antônio Santana, 57, que presta serviço à Usina, tentavam achar os desaparecidos. Santana foi quem encontrou a menina, virada de lado, soterrada e com apenas o ombro e o quadril do lado esquerdo para fora. Nessa quarta-feira (6/12), resgatou somente um papel com uma oração. “Ela gostava de ler e das apresentações de teatro e dança. Era ótima e estudiosa”, diz a professora. Maria Fernanda gostava de maquiagem, mas também brincava de boneca.
Érica e Ronaldo, hospedados na casa de uma prima, não sabem o que será do futuro. O único plano é que Érica termine o curso Técnico em Administração, pois os filhos estavam empolgados com a formatura dela.
Prejuízos
O calor e o céu carregado alertavam os moradores de Urucânia, a 200km de Belo Horizonte, para o perigo de mais chuva. A Usina, principal fonte da economia da cidade de mais de dez mil habitantes, também foi afetada.
A estimativa de prejuízo é de R$ 10 milhões com a planta industrial e canaviais devastados. Na safra, a indústria produz 1, 016 milhão de sacos de açúcar e 6 milhões de litros de álcool, empregando 1.800 pessoas da região.
O terceiro desaparecido em Urucânia é José Geraldo (Paco), de Piedade de Ponte Nova e funcionário da Usina. Com dois colegas, foi ajudar uma família em uma das vilas de casas de propriedade da empresa, onde vivem empregados da mesma.
Em Ponte Funda, de quatro casas, restam duas. Os três funcionários ajudaram Nelson Jesué, 54, a tirar a filha Mariana, 14, de casa. Ao voltarem para buscar a mulher dele, Vera Lúcia, 46, a correnteza já não deixou. Ela, entretanto, conseguiu ficar dentro de casa com água no joelho e em seguida escapou do local.
Os homens se agarraram às estacas da garagem. Paco avisou: "Não se preocupem comigo, eu sei nadar." Foi o primeiro a ser carregado. Os outros três também foram levados, mas conseguiram agarrar-se num pé de jabuticaba. Dali, viram Paco numa árvore, mas depois ele sumiu.
As quatro famílias estão alojadas numa fazenda que pertenceu aos donos da Usina, fundada em 1920, mas hoje desativada.