"Promover a reflexão, sem fazer julgamentos, de forma a incentivar a mudança nos padrões de comportamento que levam à violência." Este é o objetivo do projeto “Ponte para a Paz entre as Famílias”, desenvolvido na Comarca de Ponte Nova com o uso das técnicas propostas pela chamada "Justiça Restaurativa".
O tema mereceu ampla reportagem em recente edição do jornal “Minas Gerais”, considerando que práticas restaurativas, usadas nos casos de violência doméstica, envolvem o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) e a 2ª Vara Criminal e de Execuções Penais.
O projeto começou com o treinamento – em abril – de voluntários (registrado nesta FOLHA) que atuam como facilitadores durante os encontros com os agressores. Em seguida, formaram-se grupos de estudo envolvendo o primeiro grupo de agressores, os quais passam por seis palestras e seis círculos restaurativos quinzenais.
A juíza Dayse Baltazar, coordenadora do Cejusc e titular da 1ª Vara Criminal e da Infância e Juventude/PN, explicou, na reportagem, que se reuniram 10 integrantes, todos alvo de processos de violência doméstica em andamento. Eles foram divididos em quatro subgrupos, de acordo com o perfil do agressor: se é primário ou reincidente que ainda convive, ou não, com a vítima.
“O projeto é explicado aos réus, que podem aderir, ou não, à iniciativa. Quem adere recebe a condenação e, na fase da execução da sentença, participa dos encontros”, diz a magistrada no jornal “Minas Gerais”. Esta primeira etapa do projeto vai durar seis meses. Segundo a juíza, cada círculo é conduzido por um facilitador, que analisa as condições e as técnicas a serem empregadas durante o encontro, de forma a atingir os objetivos propostos pelo projeto.
Até agora, os grupos participaram do primeiro círculo restaurativo. A próxima etapa será assistir a uma palestra. “A abordagem tradicional muitas vezes não leva à reflexão. Já a Justiça Restaurativa olha para a vítima, que tem voz e vez para se expressar. Ao mesmo tempo, esta proposta busca gerar uma reflexão no agressor, incentivando uma mudança em sua mentalidade”, detalha a magistrada.
Para a juíza, a base do trabalho é o diálogo e a reflexão. Por enquanto, a previsão é de que os círculos tenham participação apenas dos agressores. A partir da análise dos facilitadores, contudo, pode ser que haja o encontro de agressor e vítima, nos casos em que os dois ainda tenham algum tipo de convivência.
O juiz José Afonso Neto, da 2ª Vara Criminal e de Execuções Penais/PN, explicou ao jornal “Minas Gerais” que o objetivo do projeto é que o agressor tenha oportunidade de mudança de vida e não venha a reincidir. “Os resultados desse trabalho são bons. Muitos agressores relatam viver num ciclo familiar de violência”, diz o magistrado.
Ele explica que o réu participante da iniciativa tem a pena suspensa. Se após dois anos do cometimento do crime ele não reincidir, tem a pena extinta. “No primeiro círculo, um dos participantes disse que nunca tinha tido a oportunidade de se expressar e ser ouvido”, revelou o juiz.
O magistrado diz que as palestras vão abordar temas como conscientização de gênero, Lei Maria da Penha, uso de álcool e outras drogas e superação de conflitos familiares. Entre os palestrantes, há promotores e médicos.
Para o juiz, o método tradicional de tratar os crimes de violência doméstica não consegue trazer a paz às pessoas e só promove o encarceramento. “A vítima é quem sofre”, diz. Já com a Justiça Restaurativa, o magistrado acredita que há a tentativa de desatar nós e ajudar os envolvidos a superar os pontos de controvérsia: “Tratamos os agressores, tentando alcançar a pacificação.”
Sheila Augusta Ferreira Fernandes Salomé, psicóloga judicial do Tribunal de Justiça, atua na Comarca de Ponte Nova e, fora do horário de trabalho, atua como facilitadora voluntária no “Ponte para a Paz entre as Famílias”. Ela relatou ao “Minas Gerais” o poder de transformação da metodologia da Justiça Restaurativa, tratando as questões de forma humanizada, dando voz às pessoas.
“A proposta é reunir os agressores e propor a reflexão. Não temos a pretensão de restabelecer as relações, mas temos o objetivo de restaurar o contato das pessoas consigo mesmas”, explica ela, considerando que o projeto é desafiador e entusiasma todos os envolvidos.
“No primeiro encontro, os réus foram muito receptivos”, conta Sheila. A psicóloga disse que o círculo restaurativo não promove discussão, debate oujulgamento dos crimes. “As pessoas vão falar sobre suas histórias, enquanto os demais participantes vão ouvir. A escuta do outro me leva a aprender, a me colocar no lugar da outra pessoa. Cada um traz um pouco da sua dor. O aprendizado é enriquecedor e é para todos: agressores e facilitadores”, descreve ela.
Sheila disse à reportagem que a expectativa dos voluntários é de que os agressores retomem seus caminhos de uma forma diferente. “Queremos que as pessoas aprendam a lidar com os conflitos de outro jeito. O trabalho é motivador”, resume ela na reportagem.