
Já era pra termos aprendido com a música de Rosa Passos: “Eu juro que não juro nunca mais.” Contudo, sai-ano-entra-ano, continuamos prometendo listas repetitivas: “Ano que vem eu faço isso; virando janeiro eu volto àquilo; pode deixar que no Ano-Novo eu mudo, me cuido, me trato, me mexo e faço o que preciso.” Fazemos nada!
Nada posso fazer diante do atraso do avião, a não ser rolar a tela do meu cansado celular (“em 2024, menos redes sociais”, me iludo?) e esperar. Espero a moça preparar o cappuccino italiano (“menos café em 2024”, asseguro). Fotografo o varal de luzes à minha frente. “Aeroporto tem cara de shopping”, converso no WhatsApp. Viro o pescoço (“Ai! Pilates duas vezes por semana no ano que vem”, garanto) pra conferir a voz chorosa: “Te prometo que em fevereiro a gente vai”, o quê e a quem promete essa mulher de chapéu de praia?
Promessas incertas: acho que é essa uma das causas do dezembrite: mal-estar, deprê, angústia, que vêm atacando milhões de pessoas no mundo. A tal síndrome que se espalha assim que as primeiras luzes natalinas se avolumam nas praças e viraliza nos primeiros acordes de “Então é Natal” com a cantora Simone.
No fundo, sabemos que as garantias acabam bambas como os combinados trôpegos de amigos trêbados (quem nunca marcou impossíveis programas sob a influência etílica?) nas confraternizações. Os prometidos terminam não cumpridos. Feito rever filme infeliz, o mal do fim de ano se repete a cada temporada.

Mesmo para os não-religiosos ou não-cristãos, o último mês poderia ser somente um momento de geral respeito à existência de um homem que exemplificou a prática do bem no mundo. “Amar ao próximo como a ti mesmo”: é dele a máxima de fraternidade. Como foi que o comércio se apropriou dessa data…
“Daremos início ao embarque da fileira P, em seguida dos clientes diamante e…”, a voz apressada anuncia metalicamente. Meus olhos calculam a minha vez pelo tanto de gente próxima ao portão seis e param no anúncio de cosméticos: “Seja um amor presente”. Estranho, a mesmíssima mensagem na boca do jornalista global no vídeo de ontem no grupo da família. Seriam ações de uma mesma estratégia comercial?
Como não contrair dezembrite, se presenciamos anualmente o mercantil forjar de valores e o social forçar de comportamentos? Como podemos ficar bem, se todo dezembro temos que cumprir rituais que nos adoecem? Correr, comprar e aguardar o Ano-Novo (de roupa nova, comprada, claro!), mentalizando o mantra da moda: alguma frase de efeito do tipo “a gente pode, merece e vai ser feliz!”
Mesmo sabendo que “felicidade se acha é em horinhas de descuido”, seguimos vigiando a vida, mantendo as gravatas apertadas e as saias justas, listando mudanças recomendáveis e tentando comprar a felicidade.
De cima das nuvens, desejo que no próximo ano as turbulências não durem muito. Ponho os fones de ouvido. Sei como despistar a frustração de não ter batido todas as metas de 2023 e a angústia de ter (com) vivido no automático: boto Bituca pra tocar: “Pensar além do bem, do mal, lembrar de coisas que ninguém viu…”
Dessa vez, desobrigo-me das listas de afazeres, prioridades e precisões. “O mundo lá sempre a rodar, em cima dele, tudo vale…” (https://www.youtube.com/watch?v=unWVj4kXUBU).