Na manhã de 11/6 (4ª-feira), equipe desta FOLHA (à frente o jornalista e contato publicitário Diego Ribeiro Dias) esteve em Santana do Deserto/município de Rio Doce para ouvir dos moradores as reivindicações e os problemas enfrentados nestes quase 10 anos de rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (*).

Raimundo Ribeiro Filho, 66 anos, trabalhador rural e líder da Associação de Moradores da Comunidade Santana do Deserto, resumiu os problemas com os quais os moradores convivem:
“Nosso sentimento é de tristeza. A comunidade está sofrendo até hoje, nos sentimos desamparados. Não temos a vida digna que tínhamos antes do rompimento da barragem. Perdemos a expectativa de uma vida digna. Nós, moradores de Santana do Deserto, sentimos que estamos abandonados, totalmente desassistidos, e não tivemos a reparação que merecemos. Há moradores que entraram em depressão, crianças com problemas de vista por conta da poeira e dos resíduos que surgem com a passagem de caminhões pesados. E pior: há moradores que sequer foram indenizados com moradia digna. Há casas com rachaduras, condenadas. É um sofrimento que não acaba. Não nos ouvem.”

Raimundo finaliza: “Só neste mês, minha esposa e eu tivemos despesa de R$ 800,00 na farmácia por problemas de saúde. Fomos informados de que nossa água está contaminada, após 9 anos de instalação da caixa d’água. Pedimos a reforma do nosso PSF, que hoje não conta com atendimento diário. É uma angústia ter que ir a Rio Doce para atendimento médico. Acabaram com o campo de 100 anos. Há tempos, pedimos uma capela-velório – algo simples – e não fomos atendidos.”

Sobre as casas condenadas pela Defesa Civil, Raimundo destaca: “O correto é uma nova perícia nas residências, pois o vai-e-vem dos caminhões rachou algumas paredes. Enfim, queremos ser atendidos e reparados com respeito. Não plantamos mais. Não pescamos mais. O rio Doce era nosso quintal. Hoje, olhamos na janela e não temos mais sonhos. O rejeito levou tudo.”


A seguir, mais depoimentos indignados de alguns moradores de Santana do Deserto:
Maria das Graças de Oliveira, 76 anos, trabalhadora rural: “Nós fomos muito mal indenizados e sofremos com a situação de não poder pescar. Eles já falaram que não podem pagar a gente mais, não sei como é que vai ser.”
Lidiana Aparecida de Souza Silva, 46 anos, trabalhadora rural: “Estamos sendo humilhados. Não temos fonte de renda. Vivíamos da pesca e das frutas dos quintais. O rio passa no quintal da nossa casa e hoje a gente não consegue colher mais os frutos bons por causa do rejeito. É muita injustiça com a gente. Há pessoas que nem moravam aqui recebendo o auxílio-emergencial, receberam indenizações grandiosas, e o povo daqui eles não quiseram reconhecer.”

Normélia de Andrade Geralda Ribeiro, 67 anos, professora aposentada: “O sustento da minha família era do garimpo (do ouro) e no pescado também. Os pescadores vinham aqui para a pousada, vinham muitas pessoas para a pousada no fim de semana, até mesmo no meio de semana. Hoje não tem ninguém. Não tem rio limpo. Não tem peixe. Então, a gente está sendo muito prejudicada em tudo.”

O Congado resiste apesar dos danos
Com famílias organizadas, o Congado (expressão cultural afro-religiosa) ainda resiste nestes quase 10 anos.
A comunidade celebra a tradicional Festa de Nossa Senhora do Rosário de Santana do Deserto, em 13 de outubro, porém a participação de cidades vizinhas e até de outros Estados não é a mesma após a tragédia no rio Doce.
Vicentina Efigênia Silva (Tina), trabalhadora rural e congadeira: “A comunidade recebia muita gente de Congados de outras comunidades para realizar grande festa religiosa. Porém, por conta do rejeito que se acumula no rio, passando por trás do Santuário, foi-se percebendo um esvaziamento da festa, por conta da desconfiança sobre a água do rio. O Congado é uma tradição de 150 anos, que passa de geração em geração e é muito importante para a nossa comunidade.”

(*) – O rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, ocorreu em 5/11/2015. Cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos – volume suficiente para encher 15,6 mil piscinas olímpicas – escoaram-se por 663 quilômetros pela Bacia do Rio Doce até encontrarem o mar no Espírito Santo. A tragédia deixou 19 mortos.

Para mais notícias, nos acompanhe também no Instagram!