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Laene ComVida: o perfil do artista Ayrton Pyrtz

 Quem poderia dizer: “Não penso na vida porque eu estou vivendo.” Um jovem baladeiro? De qual boca sairia: “Na vida, se não faz mancada, você não viveu.” Um senhor vivido? Quem falaria: “Eu sou entusiasmado, tenho Deus dentro.” Um crédulo fervoroso? Pra logo em seguida me explicar: “Não ponho salvação em Deus, ponho em mim mesmo.” Um budista praticante?
 
À minha frente muitos em um homem. Não de um jeito contraditório nem superficial. A cada citação, ele vai arredondando as palavras e desdobrando as ideias pra ficar tudo claro. Certamente não julgaria racista essa minha última frase. Ao falarmos sobre antirracismo, me explica seu incômodo com o que chama de internalização da dor ancestral: “As pessoas ficam muito carregadas e entopem o canal de diálogo. Elogio vira ofensa. Enxergam o outro como qualquer coisa de expressão da repressão.” 
 
Ele carrega a dor do racismo, mas a supera pela alegria, humor, conhecimento: “Quando você absorve e entende a violência, não devolve com violência. Se a pessoa violentada devolve, o discurso dela já foi pro saco.” Será que estou conversando com um indiano mahatma, daqueles que fazem greve de fome? 
 
Estou à mesa da lanchonete Carbonara com um homem que faz a sua comida e não come carne. Para ele, “viver não é comer, tomar café, almoçar. Viver é comer o mundo.” Agora está parecendo um antropofágico da arte moderna. 
 
 De fato, ele é um Artista. Com letra maiúscula. Não somente pela formação na Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ou pelo talento na flauta. Ayrton Pyrtz da Silva (foto) vive com arte. Para além dos retratos, painéis, telas, bonecos gigantes de carnaval, Pyrtz acredita que a arte salva. 
 
Diferente da perspectiva da interação do público com a obra artística, a salvação acontece pela vivência artística diária: “Arte é a potência de viver.” Para o artista, é a gente acordar e saber que vai transformar muita coisa. Pode ser colocar um jarro de flor na sua casa, cozinhar, lavar uma panela com arte: “Se você não se entusiasmar (na raiz do vocábulo, ter Deus dentro), com nada ou muito pouco, vai viver muito pouco.”  
 
– O que tem te entusiasmado?
 
– Tudo, as coisas mais prosaicas.  Um passarinho comendo tem uma importância enorme. Tô comprando por semana dois quilos de alpista (sorrisos). Eu gosto de ver o recorte do mundo. 
 
Enxergando de um olho só, Pyrtz tem sentido as cenas (“me abriu o terceiro, você só percebe a eficiência na deficiência, sabe?”). Está numa fase floral: “Quero tocar as pessoas com a flor, não pela forma, mas pela cor.” Justamente por esse fenômeno químico-óptico tão pessoal. “Acontece dentro da gente”, me explica. 
 
Dono de explicações notáveis, Pyrtz é várias aulas ambulantes. Discordo dele quando diz que não leva jeito para a docência. Kaká cabeleireiro foi seu aluno e produziu grandes telas. A meninada de Oratórios sem caderno, lápis nem nada, fez a festa ao desenhar no chão de terra molhada com os bambus que ele apontou. 
 
Em nossos encontros, sinto-me ao lado de um professor de fala baixa que vai discorrendo sobre artes, sociologia, filosofia, física e política… 
 
Pyrtz fez um ano de Filosofia na USP e é diplomado em Física pela Universidade Federal de Viçosa. No teste de Física Mecânica (a qual dominava!), “viajou” no enunciado da prova sem avançar na resolução: “Física é apenas uma expressão plástica, objetiva da poesia.” Na política, não se posiciona ao lado de partidos ou políticos, mas de causas e pessoas. Na década de 80, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), abriu as portas para os estudantes “urbanos” que chegavam, renovando com rock a lista dos discos LP´s:  “A turma das antigas veio atrás de mim querendo me linchar” (risos).  
 
Com a mesma coragem, escreve artigos contra os desmandos e as incongruências humanas: “O bolsonarismo não é ideologia, apenas destruição.” Nas redes sociais, mostra seus trabalhos e inventa frases: “Para ser príncipe, engula sapos.” Viva Pyrtz e seu bom humor!
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