
À minha frente muitos em um homem. Não de um jeito contraditório nem superficial. A cada citação, ele vai arredondando as palavras e desdobrando as ideias pra ficar tudo claro. Certamente não julgaria racista essa minha última frase. Ao falarmos sobre antirracismo, me explica seu incômodo com o que chama de internalização da dor ancestral: “As pessoas ficam muito carregadas e entopem o canal de diálogo. Elogio vira ofensa. Enxergam o outro como qualquer coisa de expressão da repressão.”
Ele carrega a dor do racismo, mas a supera pela alegria, humor, conhecimento: “Quando você absorve e entende a violência, não devolve com violência. Se a pessoa violentada devolve, o discurso dela já foi pro saco.” Será que estou conversando com um indiano mahatma, daqueles que fazem greve de fome?
Estou à mesa da lanchonete Carbonara com um homem que faz a sua comida e não come carne. Para ele, “viver não é comer, tomar café, almoçar. Viver é comer o mundo.” Agora está parecendo um antropofágico da arte moderna.

Diferente da perspectiva da interação do público com a obra artística, a salvação acontece pela vivência artística diária: “Arte é a potência de viver.” Para o artista, é a gente acordar e saber que vai transformar muita coisa. Pode ser colocar um jarro de flor na sua casa, cozinhar, lavar uma panela com arte: “Se você não se entusiasmar (na raiz do vocábulo, ter Deus dentro), com nada ou muito pouco, vai viver muito pouco.”
– O que tem te entusiasmado?
– Tudo, as coisas mais prosaicas. Um passarinho comendo tem uma importância enorme. Tô comprando por semana dois quilos de alpista (sorrisos). Eu gosto de ver o recorte do mundo.
Enxergando de um olho só, Pyrtz tem sentido as cenas (“me abriu o terceiro, você só percebe a eficiência na deficiência, sabe?”). Está numa fase floral: “Quero tocar as pessoas com a flor, não pela forma, mas pela cor.” Justamente por esse fenômeno químico-óptico tão pessoal. “Acontece dentro da gente”, me explica.
Dono de explicações notáveis, Pyrtz é várias aulas ambulantes. Discordo dele quando diz que não leva jeito para a docência. Kaká cabeleireiro foi seu aluno e produziu grandes telas. A meninada de Oratórios sem caderno, lápis nem nada, fez a festa ao desenhar no chão de terra molhada com os bambus que ele apontou.
Em nossos encontros, sinto-me ao lado de um professor de fala baixa que vai discorrendo sobre artes, sociologia, filosofia, física e política…
Pyrtz fez um ano de Filosofia na USP e é diplomado em Física pela Universidade Federal de Viçosa. No teste de Física Mecânica (a qual dominava!), “viajou” no enunciado da prova sem avançar na resolução: “Física é apenas uma expressão plástica, objetiva da poesia.” Na política, não se posiciona ao lado de partidos ou políticos, mas de causas e pessoas. Na década de 80, presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE), abriu as portas para os estudantes “urbanos” que chegavam, renovando com rock a lista dos discos LP´s: “A turma das antigas veio atrás de mim querendo me linchar” (risos).
Com a mesma coragem, escreve artigos contra os desmandos e as incongruências humanas: “O bolsonarismo não é ideologia, apenas destruição.” Nas redes sociais, mostra seus trabalhos e inventa frases: “Para ser príncipe, engula sapos.” Viva Pyrtz e seu bom humor!