
Vem daí, acho, a razão de eu sobreviver meio século (!) sem comer manga Ubá. Pelo menos distribuí pela vida essa desculpa pra não me lambuzar de amarelo e catar fiapo no sorriso. Apesar da explicação afetiva, a aversão era inconsciente. Na infância, passara pela fruta sem salivar. Na adolescência “Da manga rosa quero o doce e o sumo” cantei da boca pra fora. Um pouco mais tarde, provara lascas do pomo tropical em saladas: sem paixão. Numa tardinha em Lagoa Santa, por insistência, experimentei manga verde com sal (“Você vai amar!”): não amei.

Mas deu que eu vim morar a vinte passos de uma frondosa mangueira. De uns dias pra cá, ela tem nos atirado frutas. Pelo dia e à noite, batem no telhado do quiosque antes de cair: susto e alegria. Desde então nossa rotina tem sido tomada por elas. “Caiu mais uma, ouviu?”, minha sogra está ligada. “Vou congelar a polpa”, minha companheira promete. Comemos couve fininha com pedaços do fruto doce, tomamos suco. Toda manhã, por volta das sete, escuto Isabella e Ângela caçando e chupando as caídas no jardim. As meio comidas ou amassadas a gente descasca para os passarinhos (o que tem aparecido de saíra, sanhaçu, cambacica, sabiá…). Tenho degustado, com-por-ta-da-men-te (faca e garfo), mangas como nunca. Até o último sábado.
O céu está de estalar de azul e o sol de estourar pipoca no pé do milho verde. “Deixa eu molhar aquelas mudas que eu trouxe de Juiz de Fora. Nessa lua não dá pra plantar”. Sigo pelas pedras de São Tomé, paro pra arrancar as espigas de flor do manjericão (assim eles duram mais), podo um pouco os coléus (estão invadindo o caminho) e antes de chegar ao quiosque… pá! Despenca no chão. Pá! Tomba ao lado. Pá! Rola na grama. Quicam na telha fazendo a tabela bem chuá pra mim. Cato as três. Estão com caldinho, firmes e pintadas (aprendi na semana passada). Lavo uma no chuveirão e me inicio no ritual: de cima pra baixo vou arrancando com os dentes a casca em tiras delicadamente. Caio de boca. A mordida traz um cheiro bom. Escorre na mão, respinga na camiseta, entorna dos lábios. Delícia.

Toda a adoração que presenciei devotada à manga, eu transferi para a eugênia (só em Ponte Nova a chamam assim), conhecida por jambo, do Colégio Dom Helvécio e da Escola Auxiliadora. Essa, entretanto, por mais roxamente apetitosa, não chega perto da suculência daquela. Se as eugênias eram salesianas, a manga (ubá) é divina. Deus não me deixe mais adiar coisa boa!