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‘Dançando, Fatinha se sentia noutro mundo’

 A alegria pra mim faz o mundo dançar. Por isso que a vontade de escrever sobre ela vem me mexendo desde meados de março. Ela: Maria de Fátima Santos Ribeiro. A Fatinha que amava fazer o mundo gargalhar. “A alegria do povo”, Afonsinha/Afonsinho de saia (como era chamada na família) veio ao mundo para dar risada. E dançar. 
 
“- Beras, vai ter teste para o balé dos anjos e vocês não vão acreditar quem é a coreógrafa: Ana Amelina! Adoooro!”
 
Dançando, Fatinha se sentia noutro mundo. Essa era uma rara ocasião em que ela se mantinha séria, se o mundo, claro, não pintasse a piada pronta, como acontecera em Rio Casca quando as beras dançaram de costas para o público.
 
“- You can dance, you can jive, having the time of your life (você pode dançar, pode se esbaldar se divertindo como nunca) … Filhota, sabe quando ouvimos Dancing queen do Abba (https://www.youtube.com/watch?v=xFrGuyw1V8s)? Estou dançando sobre os mares!”
 
Após a cirurgia bariátrica, voltar a dançar era o sonho de Fatinha. E também viajar para a praia. Não gostava de sol, o que a relaxava era ver e ouvir o mar. Era apaixonada pelo mar.
 
“- Aproveita, amiga, vou melhorar pra gente ir!”
 
Fazer amigos era fácil para Fatinha. Algumas amizades da infância dispensavam palavras, já se entendiam por olhares. Apelidava-as carinhosamente. Cláudia era “pobreza” (“ríamos da pobreza de não termos vale-transporte”); Armindo era “boi” (“Eu sou gordo, por isso ela me chamava assim); Paulo Afonso era “Imbuía”, Lourdes, Lurderas; Clarissa, Adão, Rosmaninho, “Mala”. As pessoas enjoadas ela chamava de “obra”. Fatinha abria sorrisos, mas fechava sua privacidade. Nada reclamava, não brigava. Irritada, não discutia, avermelhava o rosto, não xingava. Mergulhava fundo suas mágoas. Transparecia só bom humor.
 
“Ô Zé da Lage!”, respondia a quem gritava seu nome do outro lado da rua, ouvindo suas fitas K7 (e mais tarde CDs) que ia tirando da mochila, enquanto conversava (e ria) com as amigas.
 
“- Tina Turner, Bê. Você não acerta uma! Não lembra nem daquela na sua casa. Amiga, por cá a música é tuuudo de bom! Se estivesse perto, íamos rir d+. O que não seria nenhuma novidade. A gente só fez dar risada nessa vida!”
 
Tocada na festa da amiga, Fatinha se apaixonou pela música “Viva la vida” (https://www.youtube.com/watch?v=-ZvsGmYKhcU) da banda britânica. Curtia cantá-la sem parar com a filha Marcela:
 
  “- Filha, ô-ô-ô-ô-ô, estaremos juntas no show do Coldplay.”
 
Mais do que a letra que o seu inglês (aprendido com a superquerida irmã Gá) compreendia, a batida dessa canção combina com sua existência: animada, alto astral, divertida. Fatinha era espontaneamente engraçada. Tinha o barulhinho da boca, o erguer de uma só sobrancelha, as imitações, a gostosa gargalhada que provocavam ataques de riso em todo mundo.
 
“- Em nossas almas acendei o amor, o amor de Jesusss”, rezando baixo ao atender pessoas chatas, despencava de rir os colegas da Superintendência de Ensino. 
 
Sem contar a vez que foi vista pelada de revés pelo padre do colégio salesiano, alegrando as jovens estudantes. E quando acabou com o teatro aparecendo, no palco, de batina e chapéu à Dom Bosco?!
 
Apesar da animação, Fatinha não era amante de exercícios. Na época em que trabalhava no Pacheco, pegava o ônibus em frente à padaria na beira-rio até o ponto em frente à Prefeitura, só para não subir a metade da ladeira da Benedito Valadares.
 
“- Gá, neste lugar tem caminhada toooodo o dia, mas falta seu suco divino, viu?
 
O suco de frutas da irmã-mãezinha foi o remédio predileto. Na real, ela não dava bola pra medicamentos e médicos… preferia ficar em casa, saboreando o churrasco do marido Weber (Bonner) e ganhando da filha Marcela suco de laranja com couve na cama nos fins de semana. Ou sair para tomar uma cervejinha com Andréa Leite.
 
“- Berassss, topei com Pael, te mandou beijos na alma!”
 
Sem frequentar igrejas, Fatinha acreditava muito em Deus – “Entrega na mão de Deus, vai dar tudo certo” – transmitindo a paz que a filha precisava em momentos de aflição.
 
“- Filhota, te amo ao infinito e além. No dia dois de agosto faz com os dedos seus-que-são-meus o bolo de coca-cola com brigadeiro e chantilly, bota Clocks para tocar e puxa seu pai pra dançar. Ah! não esquece de mostrar minha carteirinha do Palmeirense pra quem disser que você é a cara dele!” 
 
“- Male male, meu amor, aqui parece Doce docê, tem Toblerone, Floresta negra, coxinha de catupiry…”
 
“- Não será meu farelinho, minha reguenguela…”
 
“- Oi pai, me apresenta o ziriguidum daqui.”
 
Este texto foi produzido com a preciosa ajuda de pessoas a quem muito agradeço: Andréa Leite, Armindo Magalhães, Beatriz Bartolomeu, Cláudia Hygino, Edina Pires, Gá Ribeiro, Marcela Ribeiro Rigueira, Marisa Abreu e Weber José Pena Rigueira.
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