A Academia de Letras, Ciências e Artes de Ponte Nova/Alepon promoveu, na noite de 8/11, no Salão Nobre do Pontenovense FC, sessão solene de aniversário da cidade. A solenidade vai resumida na página Arte & Cultura da edição impressa desta FOLHA que circula neste 16/11. A seguir o discurso do novo acadêmico Gabriel Bicalho.
De alma renovada, neste festivo oito de novembro de 2012, venho a tomar Posse na Cadeira de número 32 Seção 1 (Poesia), desta imponente Academia de Letras, Ciências e Artes de Ponte Nova/Alepon, trazendo como Patrono o maiúsculo Nome do saudoso e insigne pontenovense Antônio Brant Ribeiro, sob a égide do qual manter-se-á esta Cadeira: ad perpetuam rei memoriam!
E, porque sou um cidadão de Ponte Nova, nascido em Santa Cruz do Escalvado, compete-me, inicialmente, o dever do esclarecimento aos mais jovens, que possam desconhecer a nossa História, de que Ponte Nova é, de fato, o Município em que nasci, visto que o Distrito de Santa Cruz do Escalvado foi elevado à categoria de Cidade, justamente, no dia 27 de Dezembro de 1948 e, então, eu tinha exatamente onze meses e treze dias de vida. Por este motivo e porque mudamos para Ponte Nova, desde os meus cinco anos de idade respiro os ares saudáveis desta que foi merecida e carinhosamente chamada de A Princesinha da Zona da Mata. E, com que orgulho eu, menino, ouvia tal qualificação à terra em que vivi até meus vinte e oito anos!
Motivos fortes me levaram daqui. Não pretendo relembrá-los, neste momento solene, em que realizo um sonho grandioso: o de ser reconhecido em minha Cidade! É hora de alegrias: deixo abafadas estas minhas tristezas!
Aquecido, agora, pelo calor desta emoção sublime, na rememorização de momentos importantes que marcaram a minha vida, aqui, em Ponte Nova, que me abrigou, maternalmente, durante minha infância e minha juventude, procurarei cumprir a honrosa e dificílima tarefa de homenagear o inesquecível Mestre, que Deus, por feliz desígnio, colocou em meu caminho: para orientar-me culturalmente e ser o meu eterno Guia Intelectual.
A partir deste pequenino discurso apologético, quero gravar na memória da Alepon, com o fogo perene de minha admiração, o respeitável nome de um dos intelectuais mais aclamados por seus contemporâneos: Antônio Brant Ribeiro!
Nasceu em Ponte Nova-MG, no dia 19 de março de 1910. Filho de Rômulo Ribeiro e de Vitória Brant Ribeiro. Casou-se com Maria da Glória Bitencourt Brant Ribeiro, com a qual teve quatro filhos: Vitória Bitencourt Brant Ribeiro, João Carlos Bitencourt Brant Ribeiro, Antônio Brant Ribeiro Filho e Mariana Laura Bitencourt Brant Ribeiro. Diplomou-se em duas Escolas Superiores: a Faculdade Nacional de Direito e a Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro/RJ. Como Advogado, ingressou no Banco Mineiro da Produção, enquanto fazia sentir, concomitante, a robustez do seu talento de Arquiteto, cujos trabalhos, de já consumado Artista, mostravam-se em lavores deixados no Pontenovense Futebol Clube, da Avenida Caetano Marinho, nesta sede em estilo neo-colonial que ostenta, em seu Salão Nobre, adornos e requintes do Neo-Barroco e do Neo-Clássico, numa combinação artística belíssima e, lá, em Palmeiras, no encantador Jardim que compõe a Praça Cid Martins Soares.
Antônio Brant Ribeiro não se conteve no exercício das profissões que lhe determinavam os valiosos diplomas universitários e foi muito além das expectativas, tornando-se um Cientista de reconhecidos méritos acadêmicos. Especializou-se em Foraminíferos, unicelulares, do que tratou em magistrais escritos: Ammonia Multigranulata (O problema da ocorrência de Rotalia Cubensis Van Bellen, 1941, em águas do Litoral Brasileiro); Contribuição ao estudo das Tecamebas no Rio Piranga (Ponte Nova) e ensaio mineralógico e granulométrico dos respectivos sedimentos e das condições hidrológicas da área de coleta; Nova câmara letal para asfixia e expansão crítica de Moluscos Gasterópodos; Stainforthia Concava Hogulnd, 1947, em águas do Litoral Paulista.
O valor de suas inúmeras contribuições científicas atesta-se pela extensa correspondência do Dr. Brant Ribeiro com autoridades da América e da Europa e com os mais consagrados especialistas do Brasil, em sua contemporaneidade. Antônio Brant Ribeiro assinou seus trabalhos literários com o nome de A. Brant Ribeiro e, também, com os heterônimos Álvaro Bruno (poeta) e Fradique Mendes (crítico literário).
Poeta primoroso; Crítico Literário de respeitável credibilidade; Tradutor meticuloso (textos e poemas de Pierre Reverdy, Garcia Lorca e Pablo Neruda, dentre outros); Jornalista Cultural de sucesso e, tudo isso!, sem mencionarmos todas suas atividades em prol de nossa Cultura, visto que o tempo que ora me foi destinado não deve prolongar-se por demais.
Capitaneou nomes da maior importância literária, em meados do século passado, para criação do Suplemento Literário do Jornal do Povo, de Ponte Nova-MG, que circulou por todo o país e estrangeiro, em impressões bimensais, durante dois ou três anos, tendo sido considerado um dos mais importantes veículos de divulgação e fomento às produções culturais, no início dos anos cinquenta.
A. Brant Ribeiro teria editado apenas um livro de poemas, com a tiragem inusitada de um exemplar, intitulado Gravura em Seda, doado à Biblioteca Pública Municipal de Ponte Nova, segundo um dos seus herdeiros.
Privilegiando a mostra que farei da POESIA deste memorável Patrono, divido em quatro fases sua trajetória poética: atemporais, porém, distintas umas das outras.
Primeira fase:
Caracteriza-se a primeira fase através dos poemas elaborados segundo as normas clássicas de metrificação e ritmo, cujo trabalho mais representativo encontramos no sonoro Rondó Arcaico em Redondilhas de Arte Menor, do qual garimpamos o início: Socorro! Correi, / amigos velozes, / mulheres que amei! // Socorro! Correi, / estancai, prendei / o rio que passa, / o rio que corre, / e os galhos esgarça, / os troncos arranca / e a terra esbarranca! // Socorro! Correi, / amigos velozes, / mulheres que amei!…
São versos de cinco sílabas, escandidos em redondilhas menores, bastante usados por nossos poetas árcades mineiros, que decerto terão influenciado A. Brant Ribeiro, não somente durante sua juventude física, pois que adiante teremos outro exemplo de poema com as mesmas características e data de 1950.
Intitulado Canção de Marear e com o seguinte intróito, Que sonharia? / Não sei… Mas via… (de A. Damasceno Ferreira), vejamos a parte inicial do poema: I // Eu sempre via, / pálida e fina, / a alva menina / dos olhos verdes… // Ou na sacada, / que ao sol sorria, / ou na janela / ensolarada / da casa antiga, / – eu sempre via, / pálida e só, / a alva menina / dos olhos verdes / triste, tão triste / de fazer dó… (…)
Trabalhado em redondilhas menores de quatro sílabas, este poema, também, não traz o rigor formal de pausar-se em estâncias controladas pela quantidade fixa de versos estróficos. Versejando de tal maneira, alguns de seus estudiosos o teriam rotulado como Neo-Clássico ou Neo-Árcade, provavelmente, na tentativa de creditarem a produção desses poemas à Geração de 45. No entanto, outros neos e ismos lhe servirão de rótulo, face ao talento experimentalista de A. Brant Ribeiro que se aplicou tão magistralmente a outros estilos, apesar de como autor nunca haver demonstrado preocupação alguma quanto a seu enquadramento em qualquer escola literária.
Segunda fase:
A segunda fase traz em seu bojo a continuidade dos exercícios poéticos de puro lirismo, com magistrais variações entre o Romantismo e o Simbolismo. Assim, podemos encontrá-lo no poema belamente intitulado Minha Ânfora de Argila, aqui exibido em seus versos iniciais: Não sei se ela nasceu, como Afrodite, / das ondas verdes, musicais do mar… // Não sei se ela nasceu, como Afrodite, / toda vestida de sargaços verdes, / de brumas tênues ou de pálido luar… // Eu sei é que a minha ânfora de argila trouxe, / no ritmo envolvente e voluptuoso e doce / de suas curvas amplas e redondas, / a suave lembrança musical das ondas… // Não sei se ela nasceu, vestida de águas verdes, entre canas aquáticas e cisnes brancos, / como um lótus num lago solitário…
Uma rica profusão de imagens codificadas em símbolos velados por brumas tênues e o poeta à cata de um ritmo próprio, oscilando entre versos decassílabos e versos de maior amplitude silábica, tentando libertar-se das amarras rítmicas da poesia tradicional. Estaria o poeta, assim, praticando o Neo-Simbolismo?
Terceira fase:
Na terceira fase, constataremos a evolução de A. Brant Ribeiro exercendo o pleno domínio técnico de sua poeticidade, com modulações de sonoridade agradabilíssima e uso de palavras escolhidas à força de uma habilidade amadurecida pela competência do verdadeiro Mestre em que se tornaria o nosso grande Poeta. Senão, vejamos este: Fair Deal // A thing of beauty is a joy for ever (Keats) /// Vende, amigo, o precioso e loiro pão / que em tua mesa humílima sobrou… // E compra depois, com a pequenina moeda / obscura de tua louca transação, / a flor supérflua, inútil, mas bela, / aquela, justamente aquela / que tanto te encantou!
Asserções de que este poema tenha sido escrito aos dezoito anos de idade carecem de pesquisa mais rigorosa, sem admitirmos questionamentos quanto à extraordinária competência técnica do saudoso Mestre. Melhor será não atentarmos a datas e valorizarmos o conjunto de sua encantadora Poesia.
Então, vejamos o estupendo Epigrama sem Alma e sem Destinação /// Ela chegou alígera, passo de garça, / cheia de luz, cheia de sol, cheia de graça, / borboleteando sua sombra pelo chão… / Parou; / e sobre a rua a sua sombra longa se espalmou… // Um fio irônico de sol, então, / fendendo, rápido, o cristal do ar, / teso, reto, perpendicular, / espetou sua sombra na lâmina do chão… // O fio de luz, por ironia, / fincou, no chão vadio, a sombra neutra e baça / da que era cor, da que era sol, da que era graça, / tal como um alfinete espetaria / qualquer inseto sem valor / na cartolina ilustre e fria / de algum bizarro colecionador… //// {Suplemento Literário do Jornal do Povo, Ano II Números 6 e 7 página 3 Setembro-1951}. ///
Assim, teríamos o Neo-Romantismo de A. Brant Ribeiro, a esbanjar recursos semânticos e imaginação verbal de técnica impecável, em que exibe aliterações, coliterações e quiasmos magníficos, contidos em linossignos que se pautam em uma ritmopeia primorosa.
Quarta fase:
Na quarta fase, conheceremos o Poeta que se mostra sob o heterônimo Álvaro Bruno. A partir deste enfoque, atentaremos à singularidade dos poemas em que o extraordinário poeta A. Brant Ribeiro se ocultou, decerto por motivos justíssimos, àquela época, em 1951, quando palavras que pudessem ocasionar estranheza aos conceitos religiosos, impostos a um país não laico, poderiam ocasionar um dano irreparável ao autor, cujo convívio com o lado eclesiástico da sociedade se fazia impositivo. Então, Flor Da Morte, Versículos para Meu Túmulo e Poema dos Olhos Dissolutos seriam poemas profanos, na concepção Neo-Barroca e assumiriam um caráter pagão indesejável ao nosso Poeta. Vejamos o Poema dos Olhos Dissolutos /// Frutos ou pomos, meus olhos ficaram, / no galho impúbere, / apenas para, do cimo propício, mirar teu corpo / feito de jade e de jejuns. // O ázimo do teu seio e o dízimo do teu ventre, / como seriam, vistos do alto? // Procurei meus olhos para sabê-lo… // Mas, porque ficaste, entre esmeraldas, / amaciando a relva e ungindo as flores, / meus olhos no chão fui encontrá-los, // comungando o ázimo do teu seio, / esmolando o dízimo de teu ventre. ///
Ostentando a mesma performance poética do A. Brant Ribeiro já maduro e sem limitações técnicas, Álvaro Bruno concentra em suas palavras requintadas o que de melhor poderíamos aguardar de um Poeta, Mestre por excelência na arte do poetar: melopeia, fanopeia e logopeia sob pleno domínio, para gáudio dos seus leitores e do quase desconhecido Autor, que meritoriamente vem a patronear esta Cadeira de número 32, que ora lhe dedica este humilde discípulo, com o carinho de quem conviveu com ele e chorou seu passamento, como quem chorasse a morte de um Pai Intelectual, em 19 de fevereiro de 1971, quando faltava, exatamente, um mês para a completude de seus sessenta e dois anos de idade.
O ano de 2010 foi o Ano do Centenário de Nascimento de Antônio Brant Ribeiro e ouso reclamar: que a Cidade de Ponte Nova e/ou o Estado de Minas Gerais, especialmente, venham a render-lhe o devido e tão merecido Tributo!