
Sabe aquela mulher distinta? Não de modo superior como as madamas que se acham. Que trata a vida com simplicidade? Não a simples como sinônimo de humilde, resignada. Tampouco rebelde e nem de longe orgulhosa.
Ela não complica, vai vivendo despachadamente. Precisou largar o Curso de História na UFMG por causa do trabalho? Decisão tomada. Teve que voltar pra Ponte Nova pra cuidar dos sogros e dos pais? Feito. Assumiu um restaurante que o irmão não dava conta? Sim. Aluga os quartos no apartamento onde mora? Claro. Fez bolos (deliciosos) pra ajudar nas despesas? Sem problema. Vai fazer um festão para comemorar as sete décadas? “E pobre faz festa?”, ri.
Seu jeito direto e franco de ir falando o que pensa já rendeu casos engraçados. Como o dia em que via o brasão da família do ex-marido, descendente do descobridor da ilha da Madeira. “Eu folheando, folheando e sai sem querer: o meu brasão é de uma p… francesa”, gargalha.
Nadege Maria Noce teve um tataravô português que se apaixonou por uma prostituta no bordel em Recife. “Daí a descendência francesa. Ainda tenho sangue italiano, negro e índio”, ela me detalha, passando um café forte sem açúcar.
“- Gosta de cozinhar?”
“- Detesto. Gosto de fumar, posso acender um?”
Quando tentou parar, achou que ia ter uma overdose: “Colocava o adesivo de 21 e fumava a mesma quantidade, no final do dia, a garganta arranhando.” Ainda quer largar, entretanto não faz drama. Atrás de um cigarro, joga na boca um chicletes: “Detesto o gosto dele.” E lógico, tem um namorado fumante: “Senão vai beijar cinzeiro?”

Realista, herdou do pai o lidar com a morte de forma tranquila: “Não sou estressada com ela, nem a minha nem a dos outros, pra mim é uma coisa muito natural.” Aliás, Nadege não horroriza com nada. Aceita o mundo e as pessoas do jeito que são. Só sai do sério com injustiça: “Meu sangue italiano ferve, fico vermelha e falo.”
É difícil acreditar que seu apelido era mudinha. “Era tímida e ainda sou.” Uma vez teve que representar Ponte Nova no programa Mineiros Frente a Frente, da extinta TV Itacolomi, e só foi porque o pai mandou. “Tinha muita vergonha, foi o comércio que me botou pra frente.”
“- Você não foi miss Ponte Nova?”
“- Só se for ‘mistica”, me responde gargalhando.
Antes do restaurante, Nadege teve uma boutique. Até hoje, trabalha com roupas e seu bom gosto aliado à sinceridade a torna uma vendedora confiável que não empurra : “Nunca fiz isso, o cliente, você tem que ter todo dia.”
Sincera, ela está mais para consultora de moda. Embora me diga que não é vaidosa, não tem um dia em que eu a encontre desleixada. As roupas lhe caem bem.
“- Até que enfim, bonita”, ela me recebe no seu apê arejado. Na sala, a Bíblia: “Não durmo sem rezar, peço pelos meus mortos todos os dias.” As plantas verdinhas me chamam a atenção: “Isso é coisa de Júlio”. Leva-me pra conhecer os quartos, enquanto me conta do namoro. “Ele é moreno e tem olhos azuis, faz tudo pra mim”, sorri.
“- Podia ir embora, morar perto dele né? Não tem nada aqui me prendendo.” Nadege não tem mais parentes na cidade. Porém fez boas amizades. Além disso, seu lado prático fala mais alto: “Amo Ponte Nova, acho que é tudo mais fácil também. Saio pro meio da rua e é ô bonita, ô bonita.” Assim ela chama as pessoas que conhece.
Nadege é a finesse no jeito de se dirigir a quem quer que seja: “Não faço mais do que obrigação, todo mundo merece respeito.” Para ela, educação é fundamental. É a qualidade que mais admira nos homens: “Ah… saber tratar uma mulher…Gente mal educada é muito ruim, né?”