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Ilustradora de nossa região presente na Bienal do Livro RJ 2025

Na Bienal do Livro, haverá lançamento da obra “Uma vida bordada em palavras”, ilustrada por Luísa Viveiros, artista radicada em Ponte Nova.
InícioCIDADELaene ComVida: Camila, pessoa com deficiência ou cega?

Laene ComVida: Camila, pessoa com deficiência ou cega?

 “Estão brincando com uma… bengala de cego?! Não, a menina não enxerga mesmo”, constato admirada com tanta alegria. Após um tempo, a animação se repete na UFV. “É uma reta, vira um pouco à direita, volta, tem uma rotatória”: minha sobrinha Maíra vai orientando a amiga Camila, que nem pensa quando lhe pergunto se quer dirigir meu carro.

Coragem (agir com o coração) é o que guia Camila. Durante todo o Ensino Médio em Ponte Nova, ela enfrenta a degeneração da retina, o luto pela perda da visão e depois o processo de se sentir uma pessoa menos capaz.

Por querer cursar Psicologia, ela escolhe a Universidade Federal Fluminense (UFF) e chega ao Rio de Janeiro, seis meses antes do início das aulas, ao Instituto Benjamin Constant (instituição de ensino para deficientes visuais) para aprender braile, adaptar-se à cidade, virar-se com a bengala.

Não admiro @camila_araujo_alves só pelas conquistas (drª em Psicologia, consultora em Diversidade e Inclusão, psicoterapeuta reichiana). O que mais me afeta é que ela se joga, provoca, propõe mergulhos e pensares.

Apesar de reconhecer a importância histórica do termo PCD (pessoa com deficiência), ela prefere se apresentar como uma mulher cega, usuária de cão-guia (sobre a fundamental relação, assista à segunda temporada de Amor de Bicho). 

 “- Essa sigla nos abrevia. De algum ponto, deficiência é qualquer coisa. Nossa luta é pelo nome completo, nossas múltiplas subjetividades e nosso poder de escolha.” Escolher se denominar cega é ressignificar um termo de pena e piada para fortalecimento e embate. 

Na foto, audiodescrição – Camila, uma mulher branca de cabelos compridos e ondulados, veste um top azul estampado, usa óculos escuros; está sentada sobre a grama, sorri abraçada ao pescoço e de rosto colado ao de um cão preto; ao fundo desfocado, um gramado e árvores.

“- Muita gente usa o termo deficiência para não falar, não vamos lidar. Prefiro que a pessoa use a palavra do que ficar cheia de receio.”

Nossa sociedade vê as pessoas cegas como incapazes, algo lhes falta.

“- Fica parecendo que o problema da deficiência é puramente a deficiência. Quando eu me apresento firmemente como uma mulher cega e muita gente fica sem saber como lidar, fica muito evidente onde fica o problema também, né?”

Ter uma deficiência não significa ser deficiente. “Como não se espera nada das pessoas com deficiência, quando a gente faz uma coisa que nem é grande, vira um escândalo.” Nem vítima ou heroína é o melhor dos mundos pra Camila.

Há cinco anos, um estúdio de pilates não a aceitou porque ela poderia machucar-se. Desde então, pratica crossfit em outro lugar. “A acessibilidade é uma construção múltipla, uma prática que se faz no encontro com o outro.” A negação do acesso a uma PCD não é uma questão de cuidado, mas um obstáculo real. Pode ser um tipo de preconceito: capacitismo: “Ah… ela não é capaz, não consegue…” 

Para evitar conteúdo capacitista, Camila foi consultora (e também atriz) na novela Todas as Flores. Eliminou falas da personagem cega do tipo “você dança tão bem sem ver”. O que demonstra um desconhecimento geral. Dançar tem a ver com ouvir.

 Consultorias, palestras e o trabalho da Camila têm sido referência sobre acessibilidade e deficiência. Ver uma cega trabalhando é um choque no capacitismo. O estágio que ela fez como guia no Museu de Arte Contemporânea foi uma demonstração de que ter é também dar acesso.

“- A gente recebia muitas pessoas cegas, surdas, autistas. O tempo em que eu também trabalhei com pessoas sem deficiência foi muito interessante para que elas pudessem entrar em contato com uma pessoa com deficiência, que é uma coisa que quase ninguém teve na vida.”

Para além de vivenciar sua cegueira, Camila pensa, estuda, trabalha e se posiciona.

“- Venho aprendendo de muitos anos pra cá, teoricamente, filosoficamente e esteticamente sobre a deficiência com a minha entrada na UFF, onde há um movimento forte na área da deficiência.”

Sua experiência no Centro Cultural Banco de Brasil (CCBB) é o campo da sua dissertação e do seu livro “E se Experimentássemos Mais?” Ao provocar reflexões, Camila ultrapassa o conceito de acessibilidade como inclusão das pessoas com deficiência: “Acessibilidade efetiva é a que transforme todos os envolvidos (isso me lembra a artista Zélia Duncan cantando uma música também em libras e comentando como isso lhe impactou), e não algo que depois de criado fica pronto para sempre.”

Filósofa das que sacodem a mesmice, pondo fogo na vida morna, imaginem só o que ela sorrindo diz: – “A esperança é o truque do tempo para não vivermos.” – “Você consegue viver sem esperar, meu Deus do Céu (riso)?” – “Claro que não! (risada), o que consigo é prestar atenção, indo por esse caminho.”

 Compreendo a dimensão de esperar da Camila como algo passivo, sem a consciência do mover-se no presente, inteira.

– “O que está te movendo agora?” – “Estou aprendendo a viajar e eu estou amando isso.

Ah!… Camila, você é, isso sim, uma viagem, das boas.

Veja, leia, escute Camila:  – ‘Todas as Flores’; ‘Pra todos verem’; ‘Falas de Acesso’ (Globoplay); ‘Amor de Bicho’ (Youtube); ‘E se Experimentássemos Mais?’ (Editora Appris, Amazon…); e ‘Lutos’ (Editora Summus).

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