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Ilustradora de nossa região presente na Bienal do Livro RJ 2025

Na Bienal do Livro, haverá lançamento da obra “Uma vida bordada em palavras”, ilustrada por Luísa Viveiros, artista radicada em Ponte Nova.
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Laene ComVida – ‘Dezembrite: despiste o mal do fim do ano’

 Enquanto aguardo a chamada do voo para Goiânia, namoro a estante inteira de Toblerones e confiro os livros na Duty Free Confins. “Em 2024 viajarei mais”, vou jurando pra mim mesma.
 
Já era pra termos aprendido com a música de Rosa Passos: “Eu juro que não juro nunca mais.” Contudo, sai-ano-entra-ano, continuamos prometendo listas repetitivas: “Ano que vem eu faço isso; virando janeiro eu volto àquilo; pode deixar que no Ano-Novo eu mudo, me cuido, me trato, me mexo e faço o que preciso.” Fazemos nada!
 
Nada posso fazer diante do atraso do avião, a não ser rolar a tela do meu cansado celular (“em 2024, menos redes sociais”, me iludo?) e esperar. Espero a moça preparar o cappuccino italiano (“menos café em 2024”, asseguro). Fotografo o varal de luzes à minha frente. “Aeroporto tem cara de shopping”, converso no WhatsApp. Viro o pescoço (“Ai! Pilates duas vezes por semana no ano que vem”, garanto) pra conferir a voz chorosa: “Te prometo que em fevereiro a gente vai”, o quê e a quem promete essa mulher de chapéu de praia?
 
Promessas incertas: acho que é essa uma das causas do dezembrite: mal-estar, deprê, angústia, que vêm atacando milhões de pessoas no mundo. A tal síndrome que se espalha assim que as primeiras luzes natalinas se avolumam nas praças e viraliza nos primeiros acordes de “Então é Natal” com a cantora Simone. 
 
No fundo, sabemos que as garantias acabam bambas como os combinados trôpegos de amigos trêbados (quem nunca marcou impossíveis programas sob a influência etílica?) nas confraternizações. Os prometidos terminam não cumpridos. Feito rever filme infeliz, o mal do fim de ano se repete a cada temporada.
 
 Perdeu o fôlego quando deu de cara com o Papai Noel encapotado nessa onda de calor? Desceu quadrado o chope quando, por trás da cortina do ar-condicionado, avistou Jesus no rosto suado da velha catadora de latas? Penso que daí vem a outra causa do mal-estar do fim de ano: “Abaixo o Papai Noel, arriba o papai do céu”, como reclamava Rita Lee para quem as festas deveriam ser do (e para) Menino Jesus (ela detestava o bom velhinho). 
 
Mesmo para os não-religiosos ou não-cristãos, o último mês poderia ser somente um momento de geral respeito à existência de um homem que exemplificou a prática do bem no mundo. “Amar ao próximo como a ti mesmo”: é dele a máxima de fraternidade. Como foi que o comércio se apropriou dessa data…
 
“Daremos início ao embarque da fileira P, em seguida dos clientes diamante e…”, a voz apressada anuncia metalicamente. Meus olhos calculam a minha vez pelo tanto de gente próxima ao portão seis e param no anúncio de cosméticos: “Seja um amor presente”. Estranho, a mesmíssima mensagem na boca do jornalista global no vídeo de ontem no grupo da família. Seriam ações de uma mesma estratégia comercial?
 
Como não contrair dezembrite, se presenciamos anualmente o mercantil forjar de valores e o social forçar de comportamentos? Como podemos ficar bem, se todo dezembro temos que cumprir rituais que nos adoecem? Correr, comprar e aguardar o Ano-Novo (de roupa nova, comprada, claro!), mentalizando o mantra da moda: alguma frase de efeito do tipo “a gente pode, merece e vai ser feliz!”
 
Mesmo sabendo que “felicidade se acha é em horinhas de descuido”, seguimos vigiando a vida, mantendo as gravatas apertadas e as saias justas, listando mudanças recomendáveis e tentando comprar a felicidade.
 
De cima das nuvens, desejo que no próximo ano as turbulências não durem muito. Ponho os fones de ouvido. Sei como despistar a frustração de não ter batido todas as metas de 2023 e a angústia de ter (com) vivido no automático: boto Bituca pra tocar: “Pensar além do bem, do mal, lembrar de coisas que ninguém viu…” 
 
Dessa vez, desobrigo-me das listas de afazeres, prioridades e precisões. “O mundo lá sempre a rodar, em cima dele, tudo vale…” (https://www.youtube.com/watch?v=unWVj4kXUBU).
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