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Na Bienal do Livro, haverá lançamento da obra “Uma vida bordada em palavras”, ilustrada por Luísa Viveiros, artista radicada em Ponte Nova.
InícioCIDADELaene ComVida: histórias de Maria do Rosário e Maria da Assunção

Laene ComVida: histórias de Maria do Rosário e Maria da Assunção

 “- Deus te abençoa. O divino espírito vai continuar te iluminando, protegendo, dando saúde e sabedoria. Os espíritos de luz cuidem da sua alma, te protejam hoje, amanhã e sempre.” Atendendo ao meu pedido, assim ela me benze na fé.  Não sem antes soltar um sorriso. Parece que adivinha que minha solicitação fora influenciada por outra pessoa: sua irmã. Numa segunda-feira, atendo uma ligação:

“- Leio seus textos. Poderia escrever sobre minha irmã? Ela é diferenciada, é tudo pra nós!”   

A pedido de Maria da Assunção Monteiro, esta coluna ComVida vai apresentar a interessantíssima Maria do Rosário Monteiro Farias.

Ela é brava e destemida:

“- Se você é homem para furar essa bola, eu vou ser mulher para rasgar ela todinha na sua cara.” Assim ela fez, reagindo ao carrancudo síndico que, insensível à empolgação dela e das crianças com a bola nova, acabou com o brinquedo.

“- Ele cumpriu com a palavra dele e eu cumpri com a minha. Noutro dia nos encontramos no elevador e trocamos bom dia, resolvido!”

Essa coragem vem desde criança, quando Rosário, mesmo correndo o risco das palmadas da mãe, atravessava o corte de pedra, passava a ponte e ia longe só para ver o que tinha lá.

Do destemor, também brota sua solidariedade.

“- Subia lá na favela, dava banho em gente acamada que estava precisando de cuidados de higiene”, me revela a ex-vizinha Fatinha Luna.

“- Quando alguém adoece, ela está pronta para ajudar. Com 14 anos cuidou da nossa avó, dava banho, carregava”, narra a irmã Assunção.

Na hora da festa, entretanto, ela ajuda igual. Maria do Rosário é criativa e talentosa. Nas festas folclóricas de Ana Florência, sua irmã lembra:

“- Ela fez a vestimenta, a cara do boi laranja, com chifre, olho, tudo. Fez as Mariquinhas, as bonecas desse tamanhão!”

  Rosário ajudava Assunção, que era professora na Escola Municipal Dr. Luiz Augusto, costurando figurinos para as festas e desfiles.

Naquele ano, no dia de São Cosme e Damião, a secretaria recebera um telefonema avisando que autoridades visitariam a escola. Foi um rebuliço pra arrumar a mesa do lanche.  Compraram um bolo, alguém trouxe bananas e maçãs, fizeram o café… e nada dos mandachuvas.

“-Sua irmã Rosário tá comendo o lanche, partiu o bolo, comeu uma banana, isso não tá certo”, uma professora chega aflita para avisar Assunção.

“- Liguei pra saber se eu podia trazer as balas para a meninada. Autorizaram. Então eu respondi que a autoridade estava chegando. Eu sou a autoridade, não mereço o lanche?”, Rosário esclarece, arteira.

Esse tipo de “arte”, ela ama aprontar. Já transformou vestido e corda em cobra.

“- Colocamos no pé de jabuticaba, com o rabo de um pelo na boca. Mas o rapaz sa-pa-te-ou (‘ela tá engolindo o gato da Sandrinha!’), veio gente com foice para matar a cobra.  Foi um fuzuê”, Rosário me conta, se divertindo.

A próxima “aprontação” vai acontecer com outra irmã, a “espetacuda”: aquela que ri e grita muito, me explica Rosário, trocando risos com sua cúmplice Assunção.

As duas irmãs compartilham a vida diariamente. Quando chego à casa de Maria Rosário, não dá meia hora pra Maria Assunção chegar.

“- Essa aqui, ó, é meu xodó”, derrete Assunção.

“- Ela era minha protetora”, desmancha Rosário.

Andavam cinco quilômetros da estação até à escola de Ana Florência, onde sofriam discriminação (“a gente chegava de pé sujo”). Por isso, quando preciso, Assunção rodava o coelhinho da Mônica. Quer dizer, uma vez pegou a irmã pelo braço e corrupiou, abrindo a rodinha das crianças que a importunavam (“assim dava tempo de a gente correr”).

“- Espera, vou te benzer novamente. Você vai ficar curada”, Rosário interrompe minha despedida. Põe um copo d’água no chão, um pano branco na minha cabeça, me pede para pôr o dedo na água, arrebitar o quadril e perguntar:  

“- O que estou fazendo aqui?”

 “- Papel de boba”, dispara na risada.

“- Essa foi boa, Rosário, me aguarda que eu volto pra provar sua famosa rosca e andar rindo com você pelo seu quintal”, despeço-me da linda “palhacenta” de enorme coração.

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