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Laene ComVida: ‘Para o seu João Mucci, fora do Dia dos Pais’

 Ele desprezava o Dia dos Pais. Aliás, em geral, desdenhava os dias comemorativos. Nos segundos domingos de agosto, meu pai agradecia os presentes, mas, muitas vezes, deixava-os de lado sem abrir, mostrando-me que o mais importante era nossa presença, dando um jeitinho de me ensinar: “Coisa do comércio!”

Comercialmente, seu João Mucci era um libanês mão aberta que deixava seus inquilinos pagar quando pudessem. Na hora das compras, sabia como ninguém negociar. Comprava no atacado! Arrematava um fardo de feijão e sacas de laranja. Preferia sacos de jutas aos de plásticos, fardos a quilos, caixas a unidades. Caixinhas só com no mínimo doze peças. Às vezes, enlouquecia a esposa: “O que a gente vai fazer com esse tanto de peixe, João?” Ela, com o tempo, foi achando graça: “Acho que seu pai comprou um porco inteiro, olha essas latas de banha!” 

Uma vez, trouxe-me um fardinho de caramelos Embaré, uma caixinha de pastilhas de hortelã Garoto e um saco de balas sortidas que despejei no carrinho horizontal de bebê (não sei se ideia minha ou dele: “Ah, minha turquinha!”), junto às revistinhas e bolinhas de gude dos meus irmãos Martim e Alfredo para eu revender no passeio em volta de casa.

Na minha loja-carrinho bem que poderia ter outros itens do guarda-roupas mágico do meu pai: caixa de lápis e canetas, elásticos, moedas, chaves de fenda, alicates, chave inglesa, tesourinhas, lenços, latinhas de rapé, colas, fitas, ferro de soldar, barbante, borrachas, meias, talheres, caixas de bombom… Os sacos das balas ele ia despejando aos poucos no vidro que ficava sob a mesa da copa. Quando eram jujubas, só o enchia com as roxas, preferidas da neta Maíra. 

“- O que o menino tem? “

“- Nada, é que ele tava vendo um desenho.”

De repente, o cauteloso motorista cede lugar ao Fittipaldi avô que, sem parar nos quebra-molas, sacoleja pra casa a nora Rosilene, grávida, e o neto Martim, já sem chorar.

 Seu João fazia questão de agradar toda a família. Às vésperas da sua cirurgia de safena na Capital mineira, deu um pulinho no centro da cidade só pra trazer um buquê de flores (foto) para a amada Laene. Não sei como conseguiu pagar os dois colégios quando eu cismei de cursar, ao mesmo tempo, o segundo normal de manhã e o terceiro científico à noite.

Para ele, o estudo era precioso. Um dia, caseiro que era, retornou contente de BH: conseguira um “descontaço” na Aliança Francesa pra mim. Assim, meu pai ia me mostrando que o mais importante das conquistas era o querer animado: “Vá buscar!” Ou seja, carregar, já no querer, a animação de se empenhar no que se quer animadamente.

Se você não entendeu nada, exemplifico: meu pai conquistou o que queria (o desconto) porque o seu querer estava animado pelo gosto ao estudo, amor à filha e nesse caso, especialmente, pela sua paixão à França (duvido se uma bolsa na Cultura Inglesa o animasse a sair de casa, rs, rs): Piaf, a Marselhesa e, sobretudo, a cidade de Paris. Mas na hora da bola rolar, o botafoguense de Garrincha torcia contra a Seleção Francesa, se o adversário fosse o Brasil.

Brasil x Itália, final da Copa de 1970: o goleiro do Brasil embola com os beques e atacantes, a bola que sobra para um jogador da Itália vai entrando mansamente na rede brasileira. Tentando salvar o gol, seu João mete um pontapé rumo à TV e quebra a cadeira.

Meu pai consertava as coisas da casa que ele arquitetou. Amoroso, cuidou de mim enquanto, já aposentado, mimeografava, para as professoras, provas coloridas que eu ajudava a espalhar pela casa para secar. Paciência, cheiro de álcool e capricho.

1980 – Jogos Olímpicos de Moscou: meu pai vibra com a ginasta Nádia Comaneci e se encanta com a mascote Misha no telão. Encantado com a vida, mas pragmático. Dias antes de partir, no hospital, meu pai me aconselha: “Vá pegar a vaga de emprego.” Foi um jeito dele também de se despedir. Mais uma vez e como sempre, ele me ensinando ir à vida.

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