Em Cabo Frio, um velho sem dentes bate o olho em mim e diz que ser professora é o meu futuro. Sorrimos eu e mãe, enquanto tia Lucinha, aflita, dispara perguntas sobre o que seria ela. Falando de estrela na testa e magistério à vista, aquele senhor me encara sério e profundamente. Apesar da cena um tanto tenebrosa, minha mãe, que parece gostar da previsão, agradece ao homem: não sinto medo e, na verdade, não acredito.
Aos 14 anos de idade, me vejo sendo jornalista, farmacêutica, dentista, veterinária. A Farmácia vinha do desejo de comerciante, mas detestava química. Veterinária, do amor pelos bichos, porém a possibilidade de vê-los sofrendo me afligia. Dentista era uma das áreas top da época, entretanto dissecar cadáveres? Nem pensar! Jornalismo, do meu gosto pela escrita/leitura, combinava com minha curiosidade e vontade de mudar o mundo.
Hoje poderia ter sido um monte de coisa: roteirista, bióloga, linguista, produtora artística… Aliás, acho que ser uma coisa só na vida inteira pode ser enfadonho com tantas possibilidades interessantes. Todavia o fato é que o destino anunciado 44 anos atrás cumpriu-se. Sou professora. Melhor, estou professora, já que o vento é tão diferente em várias épocas da vida.
Depois de googles, ChatGPT e inúmeras inteligências artificiais, para que serve mesmo a professora de carne e osso? De que vale o doutor à frente da sala, se a turma, atenta aos celulares, não o escuta, sequer ouve? Frente às smarts telas, muitos estudantes se acham espertos e muitos têm desrespeitado professores e professoras pelo Brasil afora.
Não quero falar do aumento de 50% da violência nas escolas brasileiras, de 2022 para 2023, segundo informa o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Dos ataques a creches, machadinha e fuzis. Nem de cadeiras voando em professoras, canivetes rasgando mochilas e garotos gays tomando socos em corredor polonês. Penso no papel da docência atualmente. Quem são e quem somos? Qual o sentido dessa profissão nos dias de hoje?
Já ouvi de um aluno que eu era muito exigente e que ele só estava ali (numa universidade pública!) por um diploma. Também já escutei que o meu jeito “muito democrático” não era uma boa.
A diversidade de opiniões sobre meu trabalho faz parte, mas têm acontecido coisas distorcidas. No semestre passado, a Diretoria do Centro de Ciências Humanas (CCH) da Universidade Federal de Viçosa recebeu um ofício do Diretório Central dos Estudantes (DCE) questionando minha conduta com um estudante, especificamente pela avaliação de um trabalho, o único que ele entregou durante todo o período letivo, insinuando racismo e incompetência da minha parte. Outros episódios aconteceram: uma aluna, que pediu revisão da prova, alterou a voz na minha sala: “Assim não dá! A gente tem que adivinhar a resposta certa para você!”
Mais fatos desse tipo ocorreram comigo e com colegas. Um professor do meu Departamento agora só aplica provas de gabarito, fechadas. Outra professora, antes mais informal, agora tem mantido uma certa distância.
Não quero entrar nos detalhes doídos. Porém a figura da/do professora/professor tem mudado de valor. Bem sabemos que desde sempre políticas e governantes, independentemente de siglas partidárias, desvalorizam a profissão. Mas há algo novo no desrespeito. Talvez a força atual da troca de valores.
Como canta Cássia Eller: “O mundo está ao contrário e ninguém reparou.” Direito a opinião se confundindo com afronta. Oportunidades virando oportunismos. Gosto se expressando como desacato. Liberdade de expressão enunciada violentamente. Claro que ainda há os bons encontros, quando a troca – de conhecimento, admiração e aprendizado – entre professores e estudantes acontece. Tive alguns prazerosos, que um dia eu conto.
Hoje eu só quero propor uma reflexão: como reparar as relações interpessoais adoecedoras que têm rolado no ambiente universitário. Isso, o velho cabofriense não profetizou.