Na manhã desse 31/10, foi bastante difícil o trajeto – em meio à lama provocada pela chuva – da Reportagem desta FOLHA, ao lado do ex-secretário/PN de Desenvolvimento Rural Márcio Daniel, até a Fazenda Simplício, localidade pontenovense afetada, em 6/11/2015, pelos rejeitos da Barragem de Fundão/Mariana, vazados 24 horas antes.
Nessa localidade, abaixo da região de Chopotó, encontramos a casa de Maria das Graças Domeniguete, 61 anos, que mora à margem do rio do Carmo. Dois anos depois da maior tragédia ambiental do Brasil, prevalece o trauma dela.
“A gente não sabia direito o que estava chegando. Ouvimos um pouco no rádio e achamos que era só enchente. Quando, às 5h da manhã, escutamos aquele estrondo horrível pelo rio abaixo, corremos para ver. Parecia um barulho de mar revoltoso. E aí veio o mar de lama, arrasando tudo”, conta Maria das Graças.
Pesadelo
Na manhã da tragédia, lembra ela, os primeiros a chegar ali foram os representantes da Defesa Civil e a Polícia Militar, ambas de Ponte Nova.
Dois anos depois, com os profundos danos no sítio dela e nas propriedades de seus irmãos (Eduardo, João Bosco, Miguel e Conceição), Maria das Graças desabafa: “Já tive muito pesadelo com o barulho que ouvi naquela madrugada. A gente fica aqui, com medo de acontecer de novo.” A sitiante mora ali há quase 50 anos, sendo 33 anos só na casa de onde deparou com a inundação.
Atualmente, o terreno da propriedade de Maria das Graças teve boa parte afetada pelos rejeitos. Pouco restou dos pomares – de laranja, acerola, pitanga e abacate – e do plantio de mandioca. “Naquele dia, uns 50 pintinhos ficaram atolados na lama”, recorda-se ela, que compra hoje o peixe que a família pescava até novembro/2015.
Samarco sugere
“Ainda hoje minhas galinhas estão morrendo. Já perdi mais de 50 delas desse jeito e gastei muito com remédio”, explicou Maria das Graças.
Há cerca de um ano, ela recebe, da Samarco, sacos de silagem para alimentar seu gado. Mas somente em agosto/2017 fizeram um serviço no quintal onde a lama espalhada secou. “Colocaram uma espécie de rede plástica por cima, que, por ser verde, de longe dá a impressão de ser grama.
As orientações são de que não devem ser plantadas árvores frutíferas ou vegetais no local desta rede”, informa a sitiante.
Demora
Maria das Graças se queixa da demora no seu cadastro perante a Fundação Renova, que tem a missão de gerir os programas de reparação dos atingidos: “Meu cadastro só foi feito agora, em 17/7, sendo que os dos meus irmãos são de 2016 e eles já recebem o salário do
cartão-benefício. Será que eles pensam que não preciso porque sou aposentada?”
Apenas em set/2017, comitiva da Renova percorreu as terras do Simplício, “fotografando tudo, pegando dados e informações: só então os papéis para dar início à indenização começaram a ter andamento”, disse Maria das Graças para continuar:
“Eles sempre vêm, fazem diversas perguntas, e nada é resolvido. Isso deve sair só no próximo ano. Mas ainda tenho esperanças.”
Outro depoimento
Não muito distante dali, José Carlos Domeniguete, sobrinho de Maria das Graças e filho de João Bosco e de Maria de Fátima, recebeu a reportagem desta FOLHA para mostrar as partes afetadas em sua propriedade, onde mora desde que nasceu, há 32 anos. Ele resumiu como foi o dia da tragédia:
“Eu tinha ido tirar leite das vacas com meu pai, e aí vimos a lama chegando de madrugada. Vinha muito forte, e tivemos que tocar o gado, pois o barro invadiu o curral. Mesmo assim, duas vacas ficaram atoladas
e morreram.”
Ele disse que, de imediato, todos temeram que a lama iria levar a casa. “Ficamos cerca de 40 dias ilhados, pois toda a estrada estava coberta, com mais de 60cm de altura de lama. Depois, eles [o pessoal da Prefeitura/Ponte Nova] vieram e arrumaram a passagem, mas, quando chove, ainda fica esse atoleiro todo”, explica José Carlos.
Ele ainda se queixa da pouca produção de leite e conta que, desde março de 2016, sua família vem recebendo o salário do cartão-benefício. Já a cerca e a contenção no córrego no fundo de sua propriedade foram feitas, porém, apenas em agosto deste ano.
“O curral teve a lama retirada na época [pela Samarco], mas no ‘capinheiro’ não teve nada feito ainda para ter como alimentar o gado. Na beira do rio, a Samarco está mexendo porque o Meio Ambiente está pressionando, mas nossos quintais continuam com muita lama”, explica ele, que aguarda indenização por tantos danos ali verificados.
Concreto de barro seco
Caminhando por seu terreno, a poucos metros do rio que corre denso e pastoso, José Carlos mostra as bananeiras que continuam morrendo e os pés de café completamente secos. Não há mais produção de fruta de conde, laranja e mandioca: “Tínhamos frutas com fartura, vendíamos laranja e mexerica. Agora não podemos plantar, pois o chão virou concreto depois que o barro secou.”
“Fico pensando como poderia tirar essa ‘terra de lama’ daqui, levar pra outro lugar e colocar uma terra nova e boa aqui. É muito ruim ver tudo assim após dois anos”, conclui ele.
Leia a matéria completa em nossa edição impressa que circula nesta sexta-feira (3/11).