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O “Dia da Beleza”, envolvendo detentos da ala de vivência específica do Complexo Penitenciário: autoestima e identidade

Nº 1.869 – 27 de Junho de 2025

Transporte público

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‘A pessoa mais popular que eu já vi’

O texto abaixo está publicado na coluna "ComVida", de Laene Mucci, em nossa edição impressa desta sexta-feira (26/8).
 
 
“Riiita, tem aí na sacola um frango assado com farofa e também pão com ovo, viu?” Desço a escada ouvindo as risadas, nossa zueira invadindo a tristeza pela partida da amiga… Faz décadas que estivemos aqui nos despedindo de Tamárcia em mudança para Brasília. Hoje, vamos nos reencontrar nesta rodoviária. Ele saiu de PN às 14h30. Chego ao estacionamento às 15h32, o Pássaro Verde está no sinal, quase virando pra cá. Esbaforida, não entendo por que ele não desembarcou. “Não, senhora, este carro não é o das duas e trinta e o trajeto é de uma hora e meia”, me esclarece o motorista. No WhatsApp, 15h40, a mensagem: “Lalá, entrando no Texas agora.” Resolvo ir comprar pão. De sal, uma rosca doce e ah! Um pão de ló. 
 
Às vezes eu lhe chamo assim: pão de ló. 16h14: Camilo Gomide vem saindo do ônibus, de longe já me vê e – sei que – sorri por trás da máscara preta combinando com o tênis preto, calça social e camiseta cinzas, camisa curta de botão preta com detalhes brancos e os eternos óculos também pretos. Elegante feito sua alma. A fala mansa, melhor dizendo, Maria mole: palavras saindo doces, bambas e devagar: “Ô Lalá, cremosura, como você está?” Abraço apertado e um suspiro fundo e bom. Como bem disse nossa amiga Rita, “encontrar com ele é revigorante, sua capacidade de emanar energia pura e positiva é incrível”. Da plataforma, fomos escolher um presente. “Gostei desta camiseta: Born to be uai”. 
 
Estar com Camilo é sofá de couro, brigadeiro de Leite Moça e um filme de Mazzaropi ou Charles Chaplin. É rir de bobeira e ter a certeza de que os tempos são mais fáceis com alegria. Seu timing para a piada é perfeito. Seu tom de voz, o ritmo e a cadência nos guiam para a risada leve ou desopilante. Para ele, por exemplo, chamar alguém de o senhor ou a senhora “é uma questão de diversão, mais que nada. Poder rir com o outro ajuda a lavar a alma do outro e a sua também”.
 
Ló, Laroba, Miloco, Camilovsky – outros apelidos – quando vem ao Brasil (vive em Puerto Rico), visita gente em Ponte Nova, Viçosa, BH, Juiz de Fora, Rio de Janeiro, Governador Valadares e sei lá mais onde. Segundo nosso amigo Cris, “Camilo é a pessoa mais popular que eu já vi. Difícil caminhar com ele, a cada passo, ele conhece alguém, para, fala do tempo, da roupa, da vida…” Sua popularidade atravessa os tempos, ele mesmo reconhece: “Em Viçosa, vou passar naquele calçadão e não vou conhecer nin-guém (risos). Na hora em que eu entro naquele calçadão, minha filha, até eu cruzar inteiro, entendeu? Sempre tem alguém que aparece.” 
 
 
Quem surge é acolhido. Camilo conversa, ouve e se interessa pelas pessoas. “Ló é de um carisma, bondade e leveza intensos!” A fala da irmã Cecília certamente tem muitos adeptos. Não o imagino gritando com alguém. Até quando perde a paciência, ele explica, argumenta. Nos 30 anos com o companheiro Joe, nunca brigaram: “Na verdade, talvez sim porque ele deixou uma bagunça em algum lugar, sou muito metódico.”
 
Os traumas vividos, acho que Camilo resolve, contando e rindo deles: “Quando eu estava fazendo o segundo ano primário achei uma caneta lá em casa – gente, eu queria ser chiique, vou levar essa caneta pro grupo escolar para arrasar, entendeu? – A gente tava aprendendo continha de multiplicar de dois números e eu fiz minhas continhas com minha caneta. Ao passar, a professora olhou para minhas contas, me agarrou pelo cabelo, me sacudiu todo: ‘Burro! Além de fazer à caneta, faz tudo errado!’ Ela tomou minha caneta, foi embora, eu não vi essa caneta nun-ca mais. Cheguei à universidade escrevendo a lápis com medo de errar. Quando estava cursando “Produtos lácteos desidratados e concentrados” (risadas), perguntei à professora, eu posso fazer essa prova a lápis? Se passar à caneta depois (risadas). Aí eu fiz a prova duas vezes.” 
 
Ao realçar sílabas, tonificando palavras, rindo, arregalando ou enviesando os olhos, Camilo se mantém um comediante nato de stand-up. Difícil acreditar que ele tenha iniciado o teatro, na década de 1980, porque era tímido. “Eu era muito envergonhado de estar em público falando com um monte de gente”. 
 
Divertido, atencioso e concorrido, estar na sua agenda é um privilégio. Por isso, o instante em que ele me disse que viria passar uma noite conosco virou feriado. Assei um bolo de chocolate, os meninos foram tomar banho, Isabella montou uma pizza… 
 
“- Oi, Bella, como você está?” Gentil e espontâneo, Camilo chega à nossa casa. Café, queijo, bolo, vinho, pizza, música, vídeos, risos, casos. Apresentamo-nos cantoras, atores, filmes, novelas… A noite vai escorregando suave na madrugada.
 
Antes de deixar, às 11 horas, meu amigo na rodoviária, passamos na feira de plantas. “- Presente de aniversário.” “- Ló, é muita flor!” Volto risonha pra casa com o carro carregado de Kalanchoe. Fortuna é ficar perto do senhor, Camilo, seu ser de luz!
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