A página de Arte & Cultura circulou, nessa sexta-feira (2/2), em nossa edição impressa, com entrevista do pontenovense Angelo Antonio Silveira. Administrador de empresas, ele concluiu mestrado em Patrimônio Cultural com especialização em “Paisagens e Cidadania”, pela Universidade Federal de Viçosa/UFV. No entender dele, o Conselho Municipal de Patrimônio precisa assumir o seu papel de protagonista. A seguir, o seu depoimento ao colunista Ademar Figueiredo.
Ademar – Angelo, por favor, apresente-se para os nossos leitores.
Angelo – Me vejo como alguém apaixonado por seus amigos e sua família, que se emociona em falar das pessoas que ama e de suas raízes, que se dá muito bem em ambientes descontraídos e que gosta muito de vestir o seu melhor sorriso. Além da paixão pelos amigos e pela família, outra característica marcante minha é o envolvimento com o “trabalho” e os “estudos”. Temáticas que se misturam no meu cotidiano. Já que há algum tempo aprendi a ser um estudante profissional com meu irmão Nandão. Tenho orgulho de falar que sou filho de Fernando e Shirley, irmão de Magno e Nandão e namorado da Grazielli. Adoro trabalhar na administração pública. Gosto de pensar que faço a diferença. Atualmente estou na área da educação. Trabalho na Superintendência Regional de Ensino/SRE de Ponte Nova.
Ademar – Ao falar sobre o seu mestrado, você cita o “norte para minha pesquisa: a junção entre os temas; desenvolvimento socioeconômico; preservação do patrimônio cultural; e políticas públicas, pensando essa conexão como um campo carente de mediação”. Fale um pouco sobre isto olhando para o cenário pontenovense.
Angelo – No campo da gestão do patrimônio cultural, não há “receita de bolo”. Digo que a desconstrução de paradigmas é um passo importante para entendermos nosso papel dentro dos processos. O próprio conceito de política pública deve ser visto de um contexto mais amplo e não pode ser confundido com política de governo. Todos nós temos um papel na história de Ponte Nova e na preservação das nossas memórias. A memória é fenômeno coletivo. Sabemos que o interesse econômico motiva o surgimento de mudanças na paisagem cultural. Cabe a nós em conjunto com o poder público a mediação entre o desenvolvimento socioeconômico e a gestão das nossas raízes culturais. Acredito que, em Ponte Nova, a mediação possa buscar o equilíbrio entre as demandas contemporâneas e a preservação dos casarões oitocentistas. Acho que os empresários de Ponte Nova estão acordando para esse mercado. Tenho visto em Ponte Nova construções antigas com interiores sofisticados e sendo utilizadas como pontos comerciais. Fico feliz em ver isso acontecendo.
Ademar – Ponte nova é uma cidade de 150 anos com um rico patrimônio espalhado pela área urbana e na área rural. Ainda assim, é um assunto de gabinete, restrito ao Conselho Municipal de Patrimônio Cultural e Natural de Ponte Nova, atuando de modo quase que prioritariamente para garantir recebimento de verba oriunda do ICMS Cultural. Tendo em vista que o cidadão comum (independentemente de profissão e escolaridade) não tem conhecimento sobre este assunto, por onde poderíamos começar?
Angelo – As pessoas precisam enxergar os Conselhos como espaços democráticos. É o instrumento que dá voz à comunidade. O Conselho não pode ser pensado como um simples anexo da Secretaria de Cultura [e Turismo], onde as pessoas só se reúnem com o propósito de discutir o recebimento do ICMS Cultural. O Conselho Municipal de Patrimônio é uma ferramenta muito poderosa para ser utilizada de forma tão restrita. Acho que o caminho é motivar a participação de pessoas que possuam vontade de contribuir. Independentemente de conhecimento acadêmico. Na Área de Patrimônio, na maioria dos casos, as demandas são muito cotidianas e não demandam conhecimento especializado na área de gestão do patrimônio cultural. E, quando for o caso, por exemplo, da construção de um plano de gestão do patrimônio cultural local, o Conselho pode solicitar participação de especialista. Precisamos de pessoas que queiram fazer a diferença. Precisamos de atuações inovadoras. O Conselho precisa assumir o seu papel de protagonista.
Ademar – O patrimônio cultural pode ser visto como um produto? Qual a sua visão?
Angelo – Eu acho que, quando se trata de patrimônio cultural, os excessos devem ser evitados. A valorização turística exagerada de uma região pode trazer especulação imobiliária, o que acaba afastando a população local. Sem a presença da população local, o patrimônio vira um cenário sem alma. Por outro lado, sabemos que a conservação do patrimônio demanda recursos. Não queremos ver nossas memórias negligenciadas. Cabe a nós definir os limites do que é aceitável. O patrimônio é nosso, temos que utilizá-lo. Precisamos dar um sentido contemporâneo ao nosso patrimônio e assim reforçar seu valor. As paisagens são dinâmicas: o que perde o sentido acaba esquecido.
Ademar – Segundo informes oficiais, o Hotel Glória poderá vir a ser um Centro Cultural. O que você espera que aconteça?
Angelo – Estou superotimista. Acho que a proposta de restauração do Hotel Glória surge em ótimo momento. Precisamos deste Centro Cultural em Ponte Nova. Espero que o Hotel assuma o papel de memorial da cultura local e seja pensado dentro de uma perspectiva de inclusão. A população precisa sentir-se seduzida pelo espaço. Hoje, as tecnologias interativas fazem uma ponte entre educação e patrimônio, tornando cada vez mais dinâmico o aprendizado. A visitação do Hotel precisa ser divertida. Entendo que o Hotel Glória possa ser um símbolo cultural de Ponte Nova e, ao mesmo tempo, inovar trazendo atrações como Sala de Cinema, Café Cultural, livraria e outras mais. Tudo é possível com boas parcerias.
Ademar – No geral, há um pensamento romântico, até mesmo saudosista, sobre patrimônio, tanto material quanto imaterial. Por outro lado, nos perdemos no potencial turístico que pode gerar renda e oportunidades de negócios. Como conciliar estas duas vertentes?
Angelo – Saudade é uma das formas de manifestação das nossas memórias. Acho que a visão poética do patrimônio cultural não deve ser desprezada. Temos que entender que, na verdade, existem várias formas de se pensar o passado: a interpretação para uso turístico é uma delas. Pensar o patrimônio como um produto, apesar de assustador, pode ser feito de maneira equilibrada. É natural que a paisagem cultural e monumentos, dentro de suas limitações, incorporem elementos da vivência das sociedades contemporâneas. O turista não pode ser considerado o grande vilão da história. Não há mal em receber as pessoas em nossa cidade. Temos que pensar que as pessoas querem conhecer a nossa história e que temos que oferecer a estrutura de lazer necessária. Acredito que, em Ponte Nova, os nossos problemas quanto à preservação do patrimônio cultural são mais por culpa da nossa falta de gestão do que por culpa da indústria do turismo.