Laboriaux Gomes de Queiroz, 85 anos, morreu em 5/12 e ganhou registro na notícia principal da coluna Arte & Cultura da edição de 15/12 desta FOLHA. Nossa Reportagem o entrevistou em duas ocasiões: no final dos anos 1990 e em setembro de 2014.
Em ambas as oportunidades, o espaço foi pequeno para detalhar as características deste pontenovense multifacetado: inventor, pintor, desenhista e intelectual, que morava num castelo, em área anexa ao bairro Rasa, com sua esposa, Greta Marcon (falecida em 19/7/2016).
“A ideia do castelo veio das lembranças dos anos em que morei na Alemanha”, revelou ele, em 2014, lembrando especialmente dos seus 40 anos vividos no Rio de Janeiro (chegou lá aos 17 anos), onde trabalhou como desenhista na Rio Gráfica e conheceu personalidades como Roberto Marinho (então presidente das Organizações Globo), Gastão Pereira da Silva ("Dr. Gastão, discípulo vivo de Freud, o pai da psicanálise").
Nosso entrevistado ainda mencionou a amizade com o desenhista Gutemberg Monteiro (Guut), autor de capas para revistas da Editora Globo. Este se projetou ainda nos Estados Unidos (de onde escreveu cartas que Laboriaux ainda guardava) e, naquele país, ilustrou a tira infantil Tom & Jerry para grandes jornais.
A visita da nossa Reportagem, na época, foi motivada pelo recente invento do qual Laboriaux se orgulhava: “Sou o primeiro a modificar o sistema de tração da bicicleta, criado por Leonardo da Vinci há mais de quinhentos anos. Deus escreve certo por linhas tortas”, disse ele, quando abriu o portão (do castelo) e nos contou como a ideia surgiu.
“Eu estava com cinco projetos em processo de negociação com o mercado chinês e corria o risco de perdê-los, necessitando de viagem urgente a Belo Horizonte. Para comprar a passagem de ônibus, fui de bicicleta até a Rodoviária (percurso de pouco mais de 4km). No meio do caminho, me senti um pouco cansado de tanto pedalar e foi aí que veio a ideia de modificar o sistema de tração.”
O invento foi chamado de bicicleta movida à alavanca e desde 17/2/2014 tem processo de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial/INPI. O memorial descritivo – “feito em um dia” – é o documento que explica como funciona o invento, o qual difere das bicicletas convencionais (movidas por pedais, motor e baterias), pois tem duas alavancas. Ao serem acionadas simultaneamente, uma sobe e a outra desce, e o veículo entra em movimento.
“Fiz o pré-protótipo em dois dias. Ela tem uma mecânica muito simples: para usá-la, a pessoa faz muito menos movimento e força com as pernas”, contou o inventor. A bicicleta ainda tem outras duas novidades: as alavancas podem ser acrescidas, assim como o selim (que suporta até 200kg e se alonga na horizontal e vertical). Ambos têm comprimento variável, podendo aumentar em até 15cm.”
“O selim é o primeiro a ter ajuste horizontal (para frente ou para trás)”, o que também foi considerado pelo INPI como um invento. “O próximo passo é a criação de um filme – a ser apresentado na praça de Palmeiras – exibindo o desempenho da bicicleta”, idealizou Laboriaux.
Outros inventos
Ele falou de outros inventos: “O primeiro foi a plaina elétrica portátil, vendida para a Inglaterra em 1956 e que levou tempo para chegar ao Brasil. Estou com cinco projetos (escavadeira de um braço só com articulação nas lâminas, martelo polivalente, abastecedor de rolo de tinta, aparelho que pinta limpo e escada salva-vidas), que no momento irão passar por ouvidoria internacional: estou em processo de negociação com o mercado chinês.”
O inventor acenou com uma novidade: “Ainda não posso contar, mas é algo que vai revolucionar o mercado, voltado para homens. E existe uma grande empresa que está atrás deste tipo de ideia há tempo.”
Ao final, Laboriaux falou do trabalho de inventor: “A invenção é um segredo, um trabalho de inteligência. Eu observo tudo. Você não pode ter ajudante, faz tudo sozinho. É um pouco de escultor, desenhista, arquiteto, pintor, e por aí vai. Lamento ser uma profissão ingrata, não creem muito até que vejam a peça pronta! Autodidata é tido como mentiroso!”
Uma avaliação
Na referida coluna Arte & Cultura, Luciano Caetano, arquiteto e designer pontenovense radicado em Niterói/RJ, resumiu suas impressões quando da morte do “alquimista-sonhador”:
“Partiu nosso amigo, o querido Laboriaux. Foi-se encontrar com sua musa: Greta – sua Gretinha, como ele mesmo gostava de chamá-la. À moda dos casais célebres, sua alma apaixonada não suportou muito tempo existir longe da esposa a quem dedicou tantos anos de devoção.
Nunca chamei Laboriaux por apelidos. O homem carregado de memórias, que conheci já contando muitas décadas de aventuras, viveu seu próprio sonho. O nome, dizia ser homenagem ao preceptor de Santos Dumont em Paris. Mas também quer dizer laborioso, trabalhador. Esse gênio multifacetado se definia como inventor, mas foi (pelo menos) artista plástico, poeta, designer e palhaço.
Acima de tudo, foi sonhador. Do alto das ameias de seu castelo inconcluso na Rasa, conduziu saraus ao lado de sua adorada Greta, movidos a árias da ópera Pagliacci e récitas de poesias que fizeram quem assistiu sonhar junto com eles. Laboriaux contava com o mesmo entusiasmo as histórias do passado e do futuro.
Ao longo de suas crônicas, desfilavam castelos da Bavária e Carnavais cariocas, épocas de guerra e de paz, lembranças de personalidades, lugares e coisas já extintas (ou ainda por vir), sempre com bom humor e otimismo. Foi pioneiro no uso da fibra de vidro, da resina de poliéster e do acrílico em Ponte Nova, com os quais materializou barcos, caixas d’água, piscinas, pontos de ônibus, carruagens, coberturas, joias, troféus. Em suas oficinas, eu e o Ayrton Pyrtz fizemos lindas alegorias num Carnaval distante.
“Foi com ele que visitei a Fazenda Quebra-Canoas, quando do projeto de restauração que executei em 2015. Depois disso, o encontrei numa viagem noturna de ônibus para o Rio. Suas mãos de alquimista fantasiavam a química em esmeralda, mármore, ouro, cristal. Sua alma inquieta fez de tudo na vida, menos envelhecer. Acreditava no Brasil e em Ponte Nova com fé sincera e corajosa. O futuro sentirá muita falta de Laboriaux!”