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Remanescentes de quilombos em Ponte Nova, Barra Longa e Mariana

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InícioCULTURALaene ComVida: 'É a indicação ou o efeito colateral que interessa?'

Laene ComVida: ‘É a indicação ou o efeito colateral que interessa?’

 “Quando quero descansar tomo um antialérgico.” Não achem de cara que fui eu quem pensei ou disse isso. Estava no banco 24 horas e ouvi (sim, eu gosto de ouvir conversas alheias) duas moçoilas conversando. A frase já me seria desconfortável vinda de alguém tipicamente cansado, passado dos 60… Todavia quem a proferiu foi uma menina, de 20 e poucos, talvez menos.
 
O que eu faço quando estou cansada? Naquele tipo de cansaço que não me deixa dormir e a TV, notebook ou celular só servem para sugar o que me resta de energia, entretanto, ainda assim, não durmo. Fico ligada. Lembro, vagamente, que já tomara um Plasil quando quis dormir. O remédio recomendado para enjoos me dá sono. Julgar, então, a moça foi precipitado. Assim feito ela e um tanto de gente, eu, às vezes, me medico, sobretudo quando a tosse ataca, o fêmur finca, a lombar geme. Não por cansaços. Por dores.
 
Uma vez, contudo (na verdade, várias), eu buscara os comprimidos por puro prazer. Atacando o armário da minha mãe para saborear os remedinhos laranja-rosados: adorava chupar Melhoral infantil. Mas um dia, ao mastigar o Ponstan que eu achara perfumado, não teve o que tirasse o amargo da minha boca. 
 
O medicamento infantil naturalmente não tem mais aquele gostinho da infância. Hoje, carrega um artificial sabor de abacaxi (sim, provei recentemente). E as cólicas saradas com a tal pílula perfumada nem existem mais.
O tempo passa, porém, o costume brasileiro de tomar e receitar remédios por conta própria só tem aumentado. Segundo estudo de 2019 do Conselho Federal de Farmácia (CFF), quase a metade dos brasileiros se automedica pelo menos uma vez por mês. A automedicação é um hábito de mais de 77% da população brasileira.
 
Isso quer dizer que não acreditamos na máxima “o que não tem remédio, remediado está”. Em quase toda casa brasileira, sempre tem um comprimidinho, uma gotinha na caixa (gaveta ou armário) de remédios para sarar dor, enjoo, nervosia, refluxo, constipação, intestino solto, alergia, frieira, tristeza, estresse, resfriado, nervo pinçado…
 
 Minha mãe, por exemplo, tinha remédio para tudo. No seu armário, a comissão de frente era farta: descongestionante nasal, colírio, esparadrapo, analgésico, leite de magnésia, Conmel, Epocler, Merthiolate, Neo-rinosan, Benadryl, Betnovate e, claro, o alaranjado Melhoral…
 
Meu pai era adepto do Calcigenol, Emulsão Scott, Vick, Biotônico Fontoura, Iodex, Sonrisal (incrível como me lembro dos nomes!)… Já minha avó materna – anos à frente – recebia e receitava bolinhas de homeopatia (acho que do laboratório Almeida Prado), chegadas em caixinhas de madeira de São Paulo pelo Correio.
 
Como nossos ancestrais, pais e avós, de fazedores de chás e emplastos, foram se tornando consumidores e propagadores dos remédios de farmácia? Propagandas na tevê e anúncios na revista Seleções do Reader’s Digest tratavam de disseminar as proezas dos respectivos remédios que tratavam de um tudo na década de 1970. Assim, quem consumia, receitava.
 
A publicidade continua influenciando e formando públicos fiéis. “Dor de cabeça? Chama a Neosa!”; “Tomou Doril? A dor sumiu!” Cada um para cada coisa.
 
O que me surpreende, hoje, é o uso para uma coisa de remédios indicados para outra. Pior: tomar o medicamento não pela sua indicação, mas pelo seu efeito colateral. É o uso do remédio pelo seu resultado adverso que me absurda. Como assim tomar antialérgico para insônia ou cansaço? Que maluquice ingerir remédio de diabetes para emagrecer! E o perigo do rebite, um remédio para obesidade muito usado por caminhoneiros para se manterem acordados?!
 
A verdade é que remédios não descansam ninguém. Dopam neurônios, despistam doenças, adiam dores. Ajudam e atrapalham. Benditos, iludem nossa saúde. Malditos, nos causam ruindades colaterais.
 
O que te descansa? Como nos refazemos da canseira cotidiana? Afinal, de qual cansaço (aprendi recentemente que, além do físico, do mental e do emocional, há o social, o sensorial e o criativo) precisamos nos livrar e nos proteger?
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