
“- Rita Lee?”, alguns segundos sem articular o raciocínio, sento, calmamente, disfarçando o susto e a tristeza.
“- Desrespeito. Nem foi a causa da morte …”
Vou escutando os comentários (“essa chamada que não acaba”) e pergunto as horas. Onze e algo. Levanto-me e escrevo no quadro o post do jornal paulista. Aliás, este e um outro: “(…) usou as drogas como um projeto político”. Nossa aula pertence à disciplina de Fotojornalismo, mas ministro também para eles Introdução ao Jornalismo. Esses tweets são, portanto, prato cheio para a aula se estender. O almoço vai esperar, esses calouros (ainda bem!) têm fome de debate. As falas do fundo saem indignadas. Destrinchamos as chamadas. O que seria “se deixou guiar” … Como assim “projeto político”? Expressões fortes, chamativas e tendenciosas.
– “Para gerar engajamento, mesmo que negativo”, levanta a voz a estudante que me deu a triste notícia.
Eu não esperava, apesar das imagens do Roberto de Carvalho no Instagram me soprarem: “Como é estranho ser humano nessas horas de partida”.
Da pandemia pra cá, Rita Lee envelheceu rápido e muito. Estava curada do câncer, como afirmara seu filho. Qual teria sido então a “hora H da bomba estourar?”
– “Não vou falar do desrespeito nem da falta de ética. Poderiam dramatizar, criar chamadas de emoção, afinal, é o drama da morte. Mas que chamadas incompetentes, que falta de jornalismo!”, encerrei a manhã.
Talvez valha a pena eu apurar se sabem quem é Rita Lee (afinal, ela se aposentou há onze anos)… A imprensa, ninguém, pode resumir a vida de alguém em um título sensacionalista para ser clicado. Drogas não foram o projeto da artista.

Há quase quinze anos, eu me surpreendia com a variedade de gente no Festival da Vida em Mariana. Éramos muitos mil ao ar livre morrendo de calor no frio de junho esperando Santa Rita de Sampa: quarentonas, adolescentes, grávidas, casais, sozinhos, crianças… três, sei lá, quatro gerações. Outro dia, Lelê de sete anos me admirava entoando “Erva venenosa (na trilha musical de Chiquititas).
Rita Lee não morreu. Viveu. Por sua causa, ovelhas negras se unem, o Brasil inteiro sabe que “nem toda brasileira é bunda” e o “sexo, ah!, é lindo e sem culpas”. “Que tal nós dois nessa banheira de espuma”. Cantamos e desejamos “quero saúde para gozar no final”. Por causa dela vivemos “longe de qualquer problema e perto de um final feliz”.
Na ditadura, na abertura, nos festivais, a alegria era a força ritaleeneana. Pelo humor e com rasgada sinceridade, Rita Lee enfrentou crises e conspirações. De alma levada e mente antenada, ela defendia os touros dos rodeios, diversificava o rock, o pop e arrombava a festa. Qualquer festa esquentava com “me deixa de quatro no ato” da música “Lança perfume”.
Ousada, romântica, livre, alegre, debochada, criativa, genial, me inspiro em Rita Lee não é de hoje. Suas músicas, livros, falas e roupas grudaram em mim e influenciaram meus textos nos cartões e camisetas por toda a década de 90.
– “O que você quer ouvir?
– “(pensando)… Rita Lee”.
Tenho a sorte de ter vizinhos que escutam “Balada do Louco”, “Mania de você”, “Nem luxo nem lixo” … e Isabella, que toca/canta lindamente “Pagu”, “Caso sério”, “Flagra”…
Rita Lee morreu. “Pra que sofrer com despedida”, ela dizia no disco “Tutti Frutti”. Estou triste, mas não sofro. Eu sei que ela ainda vai fazer um monte de gente feliz.