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Laene ComVida: ‘A caverna nossa de todo dia’

'Quanto mais surreal, mais compartilhamentos de mentiras e invencionices. A boa e limpa verdade tem sido esculhambada', diz Laene Mucci Daniel.
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Laene ComVida: ‘É difícil estar nos cinco por cento do que não deu certo’

Na sala da pré-cirurgia, sinto-me bem, afinal estou no hospital-referência, com o maior centro de ortopedia do Estado. O atendimento é humanizado, cada funcionário se apresenta: nome e função. Repito cansadamente meu nome e o de minha mãe e marco com caneta a perna a ser operada: Precaução. Em cada corredor uma Nossa Senhora e no pórtico do bloco cirúrgico o arcanjo São Miguel: proteção. Não tem como dar errado. “Noventa e cinco por cento das intervenções dão certo”, me garante o médico: confiança.

Na mesa de operação, reconheço, feliz, por trás da máscara, o sorriso “puxado” do meu oriental médico. “Qual é a perna?”, respondo pela última vez ao anestesista, enquanto a técnica de enfermagem pega minha veia. Escuto conversas, o cirurgião-chefe seleciona os participantes… pra eles, vida normal…

“ – É a Lalá!” , acordo na maca vendo na esquina do corredor o alívio de Isabella, minha companheira. Ainda não sabemos do aperto que virá.

“– Correu tudo bem, o que me preocupa é o nervo ciático”, sem sorriso, o cirurgião-chefe nos visita no quarto, mexendo meu pé pra cima e pra baixo. “Não perdeu o movimento”, nos tranquiliza.

Entretanto, há algo imprevisto. Além do sofrimento do ciático, a perna operada, que era a menor, está mais de dois centímetros maior do que a outra. A pelve girou.

“– Então, doutor, arrumou uma coisa e atrapalhou outra?”

“– Não era previsto, se soubesse nem teria operado”, a fala médica é um balde de gelo.

Com a nossa expectativa frustrada e a cabeça duvidosa, disparamos: por que, como,  e se: perguntas primárias, repetidas e desoladas que incomodam o médico.

“– Parece que querem me pôr em contradição”, o doutor lamenta.

“– Se quiserem, refaço a cirurgia no fim de semana, vocês não podem sair daqui insatisfeitas”, o doutor assegura.

Inseguras com a reação do médico, conversamos de mãos dadas: “O pé não perdeu o movimento, vamos puxar esse músculo, ‘desgirar’ a bacia”. E concordamos em voz alta:

– “Está tuuudo bem!”

Na manhã seguinte, cedo, antes do café e do primeiro remédio, o doutor-cirurgião bate à nossa porta, trazendo os raios-X (antes e depois da cirurgia) e o relatório detalhado do meu caso. Ele conta do seu sucesso, do carinho dos pacientes e repete que isso nunca havia acontecido. Conta-nos que vai mudar sua metodologia. Parece estar se defendendo.

A conversa acontece tensa, mas sincera. Entre pessoas. Que se ouvem e se olham com empatia. É difícil fazer parte das estatísticas do fracasso. Não controlamos os acontecimentos. Humildade.

“– Doutor, o senhor tem vivido nos noventa e cinco por cento. Só que agora estamos, juntos, no barco dos cinco por cento. O que vamos fazer?”

Após certificar-se de que não haverá reclamações judiciais, o médico relaxa e retoma sua segurança, nos mostrando um exercício para eu fazer em pé.

O músculo será alongado, a bacia voltará ao seu eixo, as pernas vão ter o mesmo tamanho, minhas caminhadas serão sem dor? Não há respostas prontas, pelo menos até eu mergulhar na fisioterapia, buscar a acupuntura e a osteopatia.

O que fica por enquanto é o aprendizado e sugestões na relação médico-paciente: no momento da assinatura do termo de consentimento da cirurgia, seria mais seguro ler e exemplificar em voz alta os possíveis riscos (você lê e pesquisa sobre eles?). No caso de o cirurgião ter sido indicado por outro médico (mais próximo do paciente), que ambos apareçam após a cirurgia. Antes de tudo e sempre, paciente e médico são pessoas de carne e osso, que podem (e devem) dialogar, expor dúvidas, receios, riscos e informações.

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