O Movimento dos Atingidos por Barragens/MAB divulgou, na semana passada, carta aberta às autoridades com posição da entidade sobre a tragédia de Mariana e a responsabilidade da mineradora Samarco, especialmente pela inundação em Barra Longa (foto).
Esta é a integra do documento:
"Desde o dia 5 de novembro estamos convivendo com o maior crime social e ambiental em Minas Gerais e, talvez, no Brasil. Esse crime foi cometido pelas empresas VALE/BHP/SAMARCO, grupo gigante da mineração mundial que colocou rejeito além da conta na barragem de Fundão, motivado pela ganância e, embora detenha tecnologia de ponta para exploração de minério e acumulação de lucro repassado a seus acionistas, não dispunha de um telefone para avisar o povo de Barra Longa (foto) sobre a lama da Samarco, que chegou à nossa cidade, situada a 60km do local do crime inicial, 10 horas depois, na madrugada do dia 6/11.
Hoje, 41 dias depois, esse crime soa em Miguel Rodrigues como um tiro na cabeça, pois foram ceifadas vidas inocentes, e nós, barrralonguenses, o sentimos como um tiro no peito, que nos mata aos poucos, de angústia e indignação. Quando vamos buscar solução verdadeira para os nossos problemas, para decidir o nosso futuro, o que vamos fazer da vida, a Samarco nos diz que, agora, são as ações emergenciais. Emergencial que dura um mês, dois meses, quanto tempo? Por um lado, até se entende essa demora, pois o crime é grande demais, e os estragos provocados são imensos, mas é inadmissível que, até agora, haja pessoa que faz hemodiálise três vezes por semana esquecida na sua casa atingida pela lama, respirando poeira tóxica e dando alergia, porque a Samarco não alugou uma casa para ela mudar-se. É inadmissível que a Samarco exija um laudo de uma senhora doente para liberar sua máquina de lavar roupa. É inadmissível que a Samarco trabalhe com o critério da desconfiança, enxergando um oportunista em potencial em cada atingido, invertendo os papéis, transformando a vítima em vilã. Se é que pode haver algum tipo de oportunismo, cabe à empresa prová-lo sem expor o atingido a uma humilhação maior do que a que ele já sofre. Se alguém deve explicação, aqui, é a Samarco, não o povo.
É nesse contexto de crime social e ambiental e de prolongamento sem fim de ações emergenciais que desejamos construir uma saída para a efetiva garantia do direito do atingido. Negar direito é sobrepor crime a crime. Essa tragédia criminosa é tão grande, com consequências ainda imprevisíveis, que o risco é que justamente a Pessoa Humana, o atingido, seja considerado uma ‘coisa’ pequena e fique esquecido.
No nosso ponto de vista, a organização do povo, na perspectiva popular, é fundamental para a garantia do direito. Só assim a vida vai ficar igual ou melhor, conforme a própria Samarco andou dizendo em seus discursos. E, nesse momento, vemos na negociação coletiva mediada pelo Ministério Público um espaço importante.
Em bem da organização do povo, porém, e da efetiva garantia de seus direitos, algumas distorções ocorridas no dia 9 de dezembro, quarta-feira, precisam ser corrigidas. O povo organizado não está disposto a ser acessório num momento tão decisivo.
Na quarta-feira, dia 9/12, a empresa chegou com seu batalhão e sua parafernália de supostas informações, já repetidas em muitas outras reuniões, e tomou conta de praticamente todo o espaço, discursando, propagandeando o seu ponto de vista sobre os fatos que nos afetam, profundamente, e fazendo até piadinhas, com pouco encaminhamento concreto. E nós não gostamos disso! Na sua condição de autora desse desastre anunciado, ela não tem autoridade moral para ser protagonista de nada. E nem lhe é suficiente dar resposta de tudo. É preciso efetividade nas ações emergenciais, com ênfase ao significado real do termo EMERGENCIAL, e na proposição imediata e escuta do que pensamos para solução definitiva dos problemas que ela criou. Sem isso, seguiremos tratando todas as questões simplesmente como emergenciais e ficaremos, eternamente, no provisório. A desproporcionalidade entre atingido e Samarco, na reunião do dia 9 de dezembro, significou, para nós, um passo atrás, e isso não vai ocorrer de novo.
Temos clareza, também, de que a empresa atua de todo modo para deixar de lado os atingidos organizados no MAB, pensando, assim, estar evitando incômodos. Além disso, a empresa faz de tudo para esvaziar o espaço da Mediação com o Ministério Público, percebendo nele um potencial de fortalecimento de propostas e encaminhamentos maduros, priorizando, de sua parte, as reuniões setoriais. Por quase uma dezena de vezes, no dia 9 de dezembro, a Samarco reafirmou que as reuniões setoriais estão sendo eficientes. Eficientes para quem? O que temos observado nas reuniões setoriais é que a empresa posa de vítima, mostra sua fragilidade na solução das questões, diz que ela entende é de minério, e o atingido, preocupado com sua casa, com seu futuro, com sua vida, o qual, com razão, precisa de algumas soluções imediatas, acaba assumindo o que seria responsabilidade da empresa.
Um exemplo é o caso dos produtores, que se oferecem para buscar a ração do gado na cidade ou para fazer a cerca por conta própria, pedindo, para isso, a ‘doação’ do arame e de estacas. No nosso ponto de vista, essa é uma falsa saída. O atingido não faz isso por opção, mas por falta de opção, e essas soluções tímidas e picaretas não ajudam, em nada, na solução de problemas tão complexos criados pela empresa. Ela não pode transferir sua obrigação, mas resolver as questões postas.
Quanto ao critério de cartão para quem teve um ‘impacto econômico significativo’, queremos informar que não nos está sendo dada a condição objetiva para que possamos, com conhecimento de causa, opinar e tomar decisão sobre esse assunto e outros mais. Até hoje não temos acesso aos cadastros dos atingidos. Assim não temos condições de avaliar, por exemplo, se esse critério ajuda a incluir os que estão em situação mais vulnerável.
Por fim, estamos de acordo em que a gestão municipal precisa procurar adequar-se a esse novo momento de alta complexidade criado pela empresa. Há que se cobrar resposta mais ágil da gestão municipal. Mas a estrutura municipal precária não pode servir de desculpa para a empresa não fazer o que é sua obrigação fazer. Se a estrutura municipal é estreita demais para passar as ações, que são importantes e inadiáveis, a empresa tem obrigação de criar as condições para que elas ocorram.
Nós continuamos abertos ao diálogo, mas reivindicamos um diálogo verdadeiro, onde tenhamos as condições mínimas necessárias para participação efetiva do povo organizado."